Onze dias de caos político no Egito representaram um baque também na economia do país, que pode levar meses para se recuperar. O custo diário da onda de protestos é de US$ 310 milhões, segundo o banco de investimentos francês Credite Agricole. A instituição também calculou que o prejuízo dos poucos dias será suficiente para diminuir o crescimento previsto do Produto Interno Bruto (PIB) do país de 5,3% para 3,7%, em 2011. O novo ministro das Finanças do país, Samir Radwan, admitiu ontem que as perdas vão ser ;enormes;, mas evitou falar em números. Um dos setores mais afetados é o turismo, que emprega cerca de 12% da força de trabalho do país. As exportações e importações, no entanto, já começam também a sofrer o impacto da crise nacional.
Desde a última semana, bancos, supermercados e a Bolsa de Valores do Egito estão fechados, assim como a maioria das fábricas. Os turistas que não conseguiram sair do país também não puderam entrar em museus, visitar as pirâmides ou passear de barco pelo Rio Nilo ; todos os programas foram cancelados e as atrações, fechadas por conta das manifestações. A falta de comunicações durante boa parte da semana, causada pelo bloqueio do governo às redes de internet e telefonia celular, atrapalhou ainda mais a economia, causando um prejuízo de cerca de US$ 90 milhões ao país, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os dois serviços representam, juntos, 4% da produção econômica do país.
Saque limitado
A abertura gradual dos bancos está prevista para começar amanhã, em algumas agências da capital. Segundo o vice-presidente do Banco Central (BC) do Egito, Hisham Ramez, as demais agências e as casas de câmbio vão reabrir quando for possível. A população, no entanto, terá os saques limitados a 50 mil libras egípcias (cerca de R$ 14 mil) por dia, ou o equivalente a US$ 10 mil (cerca de R$ 16,6 mil) em moeda estrangeira. A medida será tomada para garantir que as reservas de US$ 36 bilhões do BC sejam suficientes para cobrir os saques e transferências da rede bancária.
O novo ministro das Finanças egípcio, que assumiu o posto na última segunda-feira, tentou acalmar os ânimos do mercado e da população afirmando que o governo cumprirá todos os seus compromissos financeiros. Radwan disse, em entrevista à agência Reuters, que o comando do BC está em ;constante contato com os diretores dos bancos;, mas admitiu que as perdas serão grandes. ;Um milhão de turistas já deixaram o país até agora. Este é o auge da temporada turística no Egito;, disse, destacando, porém, que é ;muito cedo; para calcular as perdas. O governo criou um fundo de cerca de US$ 850 milhões para compensar o povo pelos danos causados às propriedades durante a crise.
A relação comercial do Egito com outros países também já começou a ser afetada. Ontem, o governo alemão anunciou que interrompeu as exportações de armas ao Egito após os atos violentos dos últimos dias contra estrangeiros. ;Os ataques a cidadãos alemães e jornalistas estrangeiros são inaceitáveis;, disse o porta-voz da chancelaria alemã. O governo brasileiro também está atento aos impactos que a crise política pode ter no comércio entre os dois países, que atingiu US$ 2,1 bilhões em 2010 ; um recorde. Dessa quantia, US$ 1,9 bilhão (o equivalente a 92% da balança) é de exportações brasileiras ao Egito, que se concentra em produtos como açúcar, carne bovina, frango, e minério de ferro.
Petróleo cai
O preço do petróleo despencou ontem em meio às especulações de que o presidente egípcio, Hosni Mubarak, estava prestes a renunciar. O valor do barril chegou a cair mais de US$ 1, ficando abaixo dos US$ 90. O furor foi aparentemente causado por uma reportagem veiculada no canal americano CNBC ; e que não foi confirmada por nenhum meio de comunicação egípcio depois. Apesar de produzir pouco petróleo, o Egito ocupa uma posição chave no tráfego do óleo. Cerca de 1 milhão de barris diários transitam pelo Canal de Suez, provenientes da região do Golfo em direção ao Mediterrâneo. Além disso, o oleoduto Sumed transporta 1,1 milhão de barris diários de petróleo.
Rotina de tensão
Tatiana Sabadini
Portas trancadas, janelas fechadas e uma longa espera por notícias. Essa tem sido a rotina dos brasileiros que vivem no Egito enquanto aguardam o desfecho da crise no país, onde protestos e cenas de violência se multiplicaram nos últimos dias. A embaixada brasileira no Cairo trabalha sob pressão e conta apenas com quatro funcionários para atender aos pedidos de turistas e residentes. Quem ainda não conseguiu voltar para o Brasil reclama da falta de assistência do Itamaraty e de apoio do governo brasileiro.
Cerca de 320 brasileiros vivem no Egito, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, mas apenas 142 estão registrados na embaixada. Entre eles, a brasileira Taciana Franco, 32 anos, que mora há três anos no Cairo. Casada com um egípico, ela não sai de casa há três dias com medo de ser detida pelos manifestantes pró Mubarak, por ser estrangeira. ;A situação aqui é complicada. No meu bairro está tudo fechado, falta comida. A cada hora a situação muda;, contou ao Correio, por telefone. Ela reclamou da atenção dispensada pela embaixada aos brasileiros que desejam voltar para o Brasil. ;Não estamos recebendo nenhum tipo de apoio. Liguei para lá no domingo e eles não me retornaram desde então. Muitas pessoas não têm condições de comprar passagem e querem deixar o país;, completou.
De acordo com a assessoria de imprensa do Itamaraty, o trabalho na embaixada é precário, foi reduzido por causa do toque de recolher e todo o serviço vem sendo por quatro funcionários brasileiros. Por conta da falta de transporte e das manifestações, os egípcios não estão dando expediente. Para os brasileiros que não tenham condições financeiras de voltar ao Brasil, é preciso pedir repatriação no serviço consular.
O embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Neto, insistiu para que os residentes e turistas continuem a manter contato com a representação brasileira. ;Estamos dando todo o apoio necessário nesse momento. As companhias aéreas continuam operando normalmente e quem quiser pode sair do país, sem problemas. Os turistas brasileiros que entraram em contato conosco já saíram e a nossa comunidade é pequena se comparada a de países europeus, à da Índia e à da China;, afirmou o diplomata.
Elaine Magoffi, 36 anos, grávida de seis meses, acredita que faltou suporte da embaixada para os brasileiros residentes no Egito. Ela mora em Alexandrina e conta que chegou a receber uma ligação da Embaixada de Portugal para informar que haviam lugares disponíveis em um voo rumo a Lisboa, na última terça-feira. Mas ela não conseguiu deixar a cidade a tempo. ;Eles me ligaram, mas a minha embaixada não me liga. Entrei em contato com eles no sábado e eles afirmaram que não tinham um plano de emergência. O meu maior problema é o descaso, a gente precisa de respeito e saber qual é a nossa situação. E eles ainda dizem que dão toda assistência;.