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Mubarak deve 'ouvir' manifestantes que pedem sua renúncia, diz Obama

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, pede ao colega egípcio que ouça os manifestantes e escolha um caminho, de modo sério e ordenado. "Sexta-feira da Partida" reúne cerca de meio milhão na principal praça do Cairo

Pelo menos 500 mil manifestantes tomaram ontem a Praça Tahrir, no centro do Cairo, e participaram da chamada ;Sexta-feira da Partida;. Entre preces direcionadas a Meca e gritos de ordem, a multidão não teve a chance de festejar a renúncia de Hosni Mubarak. No entanto, o destino do presidente que comandou o Egito durante 29 anos pode estar sendo traçado a 9.209km do Cairo, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington. Farto da violência que deixou mais de 300 mortos e 5 mil feridos, e temeroso por uma possível islamização do governo egípcio, os Estados Unidos praticamente decretaram o fim do regime. Pela primeira vez desde o início da crise, em 25 de janeiro, o presidente Barack Obama foi explícito e direto. Ele disse que Mubarak deveria ;ouvir; os manifestantes que pedem sua renúncia imediata, embora não tenha insistido numa demissão sumária. ;Ele tem que ouvir as pessoas e escolher o caminho a ser seguido, de maneira ordenada, signiticativa e séria;, declarou Obama. ;Creio que o presidente Mubarak se preocupa com seu país. Ele é orgulhoso, mas é também um patriota;, acrescentou. Mais cedo, o americano havia confirmado que os EUA já discutem a troca de comando no Egito. Uma das opções seria conceder o poder, de forma interina, ao vice-presidente Omar Suleiman.

A intervenção dos Estados Unidos coloca em xeque a aliança egípcio-americana, iniciada nos anos 70 pelos presidentes Anwar Sadat e Jimmy Carter. Os sinais da intrusão de Washington repercutiram na capital do Egito. O chefe da Liga Árabe, Amr Mussa; e o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohamed ElBaradei, expressaram o desejo de se candidatarem às eleições presidenciais de setembro. A Irmandade Muçulmana, principal força da oposição, disse se reunir com Suleiman apenas no caso de uma saída de Mubarak. Dois pequenos partidos, o Wafd (liberal) e o Tagammou (esquerda), disseram ;sim; ao diálogo.

Capital político
Em entrevista ao Correio, o libanês Nadim Shehadi ; analista do Instituto Real de Assuntos Internacionais da Chattam House (em Londres) ; acredita que a postura de Obama pode lhe causar prejuízos políticos. ;Ele está se apresentado como um aliado não confiável. Obama tinha que ficar o mais distante possível da crise, sem, no entanto, dar a impressão de que a ignora;, disse. Shehadi teme que os protestos ganhem o tom de antiamericanismo. ;Os manifestantes de Tahrir têm lutado por seus direitos democráticos. Os protestos nada têm a ver com sentimentos anti-EUA;, lembrou Shehadi.

A União Europeia (UE) apressou-se em intensificar a pressão sobre Mubarak e demonstrar apoio à postura norte-americana. O bloco inaugurou ontem uma cúpula, em Bruxelas, com esses objetivos. Os líderes europeus exortaram o presidente do Egito a iniciar rapidamente uma transição política. ;Mubarak perderá toda a credibilidade que lhe resta aos olhos do mundo;, alertou o premiê britânico, David Cameron. Por sua vez, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, defendeu o egípcio, qualificando-o como ;um homem sábio;.

A ;Sexta-feira da Partida; ocorreu de forma pacífica. ;Meio milhão de pessoas ocupa a Praça Tahrir e é algo lindo. As pessoas cantam, dançam e brincam;, contou ao Correio, por telefone, o egípcio Tarek Shalaby, de 26 anos. Acampado no local desde terça-feira, Tarek começa a duvidar da renúncia de Mubarak. ;Há uma chance muito pequena de isso ocorrer, pois o presidente teme que tal gesto seja interpretado como desespero;, comentou. ;Não haverá diálogo. Mubarak tem que sair;, reafirmou. Mussa compareceu à Praça Tahrir e admitiu que pode concorrer à sucessão. ;Por que dizer não?;, perguntou. ;Estou a serviço de meu país; Estou pronto para servir;, concluiu. ElBaradei, por sua vez, afirmou ;não ter objeções; a se apresentar como candidato.

Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã" /> Aiatolá clama por islamização
O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, pediu ontem que os egípcios adotem um regime islâmico em seu país, ao criticar o presidente Hosni Mubarak. ;Não desistam até a implementação de um regime popular baseado na religião;, declarou, em árabe, durante o sermão semanal das sextas-feiras, dedicado especialmente aos egípcios. ;O clero deve ter um papel, por exemplo, quando as pessoas saem das mesquitas e gritam slogans que elas devem apoiar. Inshallah (Deus queira, em árabe) que parte do Exército egípcio se una à população;, disse. ;O principal inimigo do Exército egípcio é o regime sionista e não a população;, concluiu, no câmpus da Universidade de Teerã.

Segundo o jornal Tehran Times, Khamenei chamou Mubarak de ;servo de Israel e dos Estados Unidos;. ;Por 30 anos, esse país (Egito) tem estado nas mãos de alguém que não apenas não busca a liberdade, como é o inimigo na busca pela liberdade. Ele não apenas não é antissionista, como é companheiro, colega, confidente e servo dos sionistas;, comentou o aiatolá, que classificou a revolta no mundo árabe de ;ecos da voz da nação iraniana;. ;Os eventos no norte da África, no Egito e na Tunísia, têm significado especial para nós. É o despertar islâmico, que sempre foi falado durante os tempos da vitória da grande Revolução Islâmica do Irã;, acrescentou. Khamenei chamou ainda os desdobramentos nos países árabes de ;um terremoto real;, capaz de fazer com que os EUA sofram uma ;derrota permanente; no Oriente Médio.

Repulsa
A Casa Branca condenou o apelo feito por Khamenei a uma revolução nos mesmos moldes de seu país. Segundo o porta-voz Robert Gibbs, Teerã não tem o direito de fazer tal tipo de comentário, após esmagar sua própria revolta, em 2009. ;É impressionante que o Irã faça ouvir sua voz, tendo em vista a forma com que agiu quando seu povo tentava exercer os mesmos direitos reivindicados pela população egípcia no Cairo;, comentou Gibbs, referindo-se aos protestos em massa no Irã após a reeleição, questionada pela oposição, do presidente Mahmud Ahmadinejad. O aiatolá atribuiu o levante político de dois anos atrás a uma influência de ;elementos estrangeiros;.


ANÁLISE DA NOTÍCIA
A força da realpolitik
Lourenço Flores
Quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se alinhou com os irados manifestantes que transformaram a Praça Tahrir em trincheira para enfrentar a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak e pediu uma transição ;imediata; no tradicional aliado no Oriente Médio, o posicionamento foi saudado como um surpreendente golpe na tradicional realpolitik responsável pelo apoio americano a regimes autoritários pelo mundo. Em nome dos mais variados interesses políticos e econômicos, os EUA não costumam se envergonhar de fechar os olhos para inúmeras violações de direitos humanos e de desrespeito à democracia em países aliados ; como o Egito e a Arábia Saudita, por exemplo.

Ontem, jornais americanos revelaram que autoridades do país, a mando de Obama, efetivamente negociam com líderes militares do Egito uma solução que permita uma retirada ;honrosa; e imediata de Mubarak do poder. A proposta em negociação, porém, desautorizaria qualquer ilusão: sim, Mubarak teria que sair, mas o governo de transição sonhado pelos americanos seria liderado pelo hoje vice-presidente, Omar Suleiman. Na prática, pela perspectiva dos egípcios inconformados, isso dificilmente poderia deixar de ser encarado como trocar seis por meia dúzia. Suleiman, que é general, é considerado o principal defensor da tirania de Mubarak ; nos últimos 18 anos, foi chefe da famigerada polícia política egípcia.

É evidente que não é difícil entender a dificuldade para Obama ser mais ousado. O presidente norte-americano sabe que, se a revolução egípcia terminar com um governo islâmico radical eleito, ele imediatamente se transformaria em um novo Jimmy Carter ; presidente democrata que, em 1979, viu o regime pró-Ocidente no Irã do Xá Rehza Pahlevi ruir e ser substituído pela teocracia liderada pelo aiatolá Khomeini (em consequência, Carter viu voar qualquer chance de ser reeleito e acabou substituído pelo republicano Ronald Reagan).

Pressionado pelas considerações eleitorais e pela comunidade judaica americana ; que não pode pensar em ver um outro regime islâmico na região atazanando Israel ; e acossado pela onda conservadora que inclinou o país para os republicanos nas eleições de meio de mandato, Obama continua pregando mudanças. Mas nem tanto.