Cairo - O presidente egípcio, Hosni Mubarak, negou-se nesta terça-feira (1/2) a renunciar imediatamente ao poder, como exigiram mais de um milhão de pessoas em um dia de intensas manifestações, e limitou-se a anunciar que não disputará as eleições de setembro.
"Digo com sinceridade e sem levar em conta a situação atual: não contava em me apresentar a um novo mandato presidencial", disse Mubarak, que está há 30 anos no poder, em uma declaração de cerca de 10 minutos com um tom muito grave, após um dia de manifestações por todo o país.
"Vivi neste país, defendi este país e quero morrer nesta terra. A história me julgará", acrescentou o presidente, de 82 anos, que vestia uma roupa azul-marinho.
Os manifestantes rejeitaram imediatamente seu discurso. "Saia já, saia já", gritaram os manifestantes que permaneciam durante a noite na Praça Tahrir, onde meio milhão de pessoas se concentraram durante o dia, assim que escutaram o pronunciamento de Mubarak, segundo fontes de segurança egípcias.
"O presidente é muito teimoso, mas nós somos ainda mais", declarou às pessoas um membro da oposição pelo alto-falante, incentivado pelos manifestantes a prolongar os protestos que ocorrem há uma semana e que já deixaram mais de 300 mortos, segundo a ONU.
O anúncio de Mubarak ocorreu após o jornal americano The New York Times revelar que o presidente americano Barack Obama, um dos maiores aliados de Mubarak, de 82 anos, pediu que desistisse de concorrer às eleições presidenciais de setembro.
Durante o dia, a oposição conquistou seu objetivo de levar um milhão de pessoas às ruas do Egito contra o presidente, segundo um balanço feito a partir de fontes de segurança egípcias e jornalistas da AFP presentes na marcha.
A chamada "Marcha do Milhão" reuniu meio milhão de pessoas no Cairo, 400 mil pessoas em Alexandria (norte), a segunda maior cidade do país, e pelo menos 110 mil no resto do país.
Na capital, os manifestantes lotaram a Praça Tahrir (Praça da Libertação), epicentro dos protestos, sem que tenham sido registrados enfrentamentos até as 19H00 GMT (17h00 de Brasília).
Ao cair da noite, dezenas de milhares de pessoas permaneciam sentadas e de mãos dadas na praça cantando músicas da lendária cantora Umm Kalzum.
Alguns grupos de manifestantes fizeram fogueiras para enfrentar a fria noite do Cairo.
"Mubarak vá embora, nós ficamos", gritavam os manifestantes determinados a permanecer na praça até a renúncia do presidente.
Os militares que cercavam a praça davam a impressão de estar mais tranquilos do que ao meio-dia. O exército - um dos pilares, junto com a polícia, do regime autoritário egípcio - deixou claro na segunda-feira que considerava "legítimas" as reivindicações do povo e anunciou que não recorreria à força contra os manifestantes.
Um comitê de forças oposicionistas afirmou que rejeitaria qualquer negociação com o poder enquanto Mubarak permanecesse no poder.
A oposição reúne forças políticas com ideologias díspares, desde a oposição leiga até a islamita, passando por cibernautas que desencadearam o movimento.
O ex-diplomata Mohamed ElBaradei, que está se impondo como uma das referências desta coalizão, instou Mubarak a deixar o poder "no mais tardar na sexta-feira", em declarações à emissora de televisão Al Arabiya.
A Irmandade Muçulmana, grupo de oposição mais influente do país, pediu que as manifestações prosseguissem até que o regime caia.
O Egito, o mais populoso dos países árabes, com 80 milhões de habitantes, é um aliado do Ocidente e administra o Canal de Suez, essencial para abastecer com petróleo os países industrializados. É, além disso, um dos países árabes a assinar um tratado de paz com Israel. O outro é a Jordânia.
Por tudo isso, o desenlace desta crise gera ansiedade mundial.
Os Estados Unidos ordenaram a saída do país do pessoal não essencial de sua embaixada no Cairo.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aludiu ao fantasma de um regime ao estilo iraniano caso "um movimento islamita organizado tome o controle do Estado".
Por conta do clima de instabilidade na região, o petróleo é negociado pela primeira vez em dois anos acima dos 100 dólares o barril.