À mesa de seu escritório, em Brasília, o embaixador palestino, Ibrahim Al-Zeben, exibe, orgulhoso, um globo diferente. Foi o único que conseguiu encontrar, até hoje, em que o nome da Palestina aparece registrado, bem ao lado de Israel. Para ele, no entanto, decisões como a tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ; a menos de um mês de deixar o Planalto ;, de reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras de 1967, ajudarão a mudar o mapa-múndi. Em entrevista ao Correio, ele disse acreditar que a atitude brasileira ;certamente ajudará países que estavam indecisos a entender a mensagem; de que o povo palestino tem direito a ter seu Estado.
;Os palestinos estão muito agradecidos por esse apoio, porque isso vai ser positivo também para alcançar a paz com Israel. Um reconhecimento mundial ajuda a colocar as duas partes em pé de igualdade;, afirmou Al-Zeben, na terceira entrevista da série com os embaixadores sobre o futuro das relações bilaterais no governo de Dilma Rousseff. Segundo o embaixador, a atitude do Brasil, que foi seguido pela vizinha Argentina, deixa seu povo mais fortalecido. Contudo, ele despista ao ser questionado se o próximo passo é levar um pedido de reconhecimento oficial à Organização das Nações Unidas (ONU). ;Esperamos que Israel volte às negociações, paralisando os assentamentos que estão levando nosso território palestino em Jerusalém Oriental. Achamos que esse é o melhor caminho, o caminho mais curto.;
Para Al-Zeben, o esforço brasileiro que surtiria mais efeito agora seria continuar ajudando na reconstrução da infraestrutura do Estado palestino. Até mais do que usar a proximidade com Israel para interceder pelo fim das construções nos assentamentos judaicos em territórios palestinos. ;O Brasil não deixou de interceder todo esse tempo, mas Israel faz pouco caso;, ressaltou. Ele disse ainda esperar, no governo Dilma, uma continuidade da relação bastante próxima vista entre Brasil e Palestina nos oito anos de gestão Lula. O presidente foi o responsável por puxar a parceria do fórum Ibas, formado com Índia e África do Sul, com o governo palestino, que resultou em diversos projetos de reconstrução em Gaza e na Cisjordânia, por meio do Fundo Ibas, e até em uma defesa conjunta da criação do Estado palestino, durante encontro em Brasília, em abril deste ano. ;Cada presidente tem seu estilo, mas a amizade obviamente vai continuar com a presidente Dilma. E esperamos que a política brasileira siga acompanhando o desejo do povo palestino de ser uma nação livre;, revelou.
O presidente Lula está encerrando o mandato depois de atender ao pedido do presidente Abbas e reconhecer o Estado palestino. O que isso representa para o povo palestino?
É um motivo de muita satisfação essa decisão histórica do governo do Brasil e do presidente Lula a favor da justiça e do estado de Direito. Foi uma agradável surpresa, justamente em um momento em que o mundo inteiro relembrava o dia internacional de solidariedade à palestina (29 de novembro). Mas dos bons amigos e dos amantes da paz e da justiça sempre se espera algo bom. Os palestinos estão muito agradecidos por esse apoio, porque isso vai ser positivo também para alcançar a paz com Israel. Um reconhecimento mundial ajuda a colocar as duas partes em pé de igualdade.
Com a decisão do Brasil, o que muda nas relações bilaterais? E para o governo palestino, em um contexto geral?
Nós nos sentimos mais fortalecidos em nível internacional, porque esse passo histórico foi seguido por outras declarações favoráveis ao direito legítimo do povo palestino a ter seu Estado. Em relação ao Brasil, isso dá à missão palestina aqui o status de embaixada do Estado palestino, o que é um avanço importante para nós. Além disso, estamos falando do Brasil, que tem um peso importante na América Latina, no Ibas, no mundo.
Você esperam que o governo brasileiro utilize sua influência para pedir que outros países da região reconheçam o Estado palestino?
A decisão de cada país é soberana, mas seguramente ajudará outros países que estavam indecisos a entender essa mensagem profunda, fundamentada, certa. E, sem dúvida, existe uma simpatia cada vez maior neste continente a favor do direito do povo palestino, que tem sido postergado há 33 anos. Confiamos que a decisão soberana da América Latina será a favor do direito palestino de ter seu estado.
O Brasil demorou para tomar a decisão, uma vez que sempre
defendeu um Estado palestino nas fronteiras de 1967?
As coisas sempre acontecem no momento certo. E estamos felizes que tenha acontecido agora.
Com o apoio de Brasil e Argentina ; que se somam a mais de 100 países que já haviam tomado a mesma decisão ;, vocês pretendem levar um pedido de reconhecimento oficial às Nações Unidas?
Nós esperamos agora que Israel volte às negociações, paralisando os assentamentos que estão levando nosso território palestino em Jerusalém Oriental. Achamos que esse é o melhor caminho, é o caminho mais curto. E acho que Israel deve entender essa mensagem da comunidade internacional e respeitar a vontade do povo palestino. Ter uma política equilibrada e com respeito absoluto ao direito internacional e ao direito palestino de criar seu Estado.
Como o senhor avalia a relação entre Brasil e Palestina nos oito anos de governo Lula?
O balanço geral é positivo. As relações bilaterais vêm melhorando e se fortalecendo. O clímax foi a visita do presidente Abbas, teve três escalas: Salvador, Porto Alegre e Recife. A visita do presidente Lula à Palestina também foi muito importante, porque conseguimos assinar seis acordos, em áreas como saúde, esportes, educação e agricultura. Estamos satisfeitos também com a dedicação do presidente Lula e do ministro Celso Amorim ao interferir mais positivamente no processo de negociação de paz entre Israel e Palestina ; inclusive ultrapassando os limites da relação bilateral para encontrar eco no Ibas (formado por Índia, Brasil e África do Sul), esse grupo de atividade importante na área internacional. O presidente Lula tem sido um amigo da Palestina, do presidente Arafat e da luta palestina para recuperar primeiro o território e a identidade, e também para recuperar o processo de paz. E isso nunca foi feito às custas da relação bilateral entre Israel e Brasil. O presidente Lula e o ministro Amorim conseguiram gerenciar muito bem (as duas relações), sempre promoveram um diálogo sem, em nenhum momento, deixar de condenar as agressões ou as atividades bélicas.
O senhor espera que, no governo Dilma, essa proximidade vá
continuar?
Cada presidente tem seu estilo, mas a amizade, obviamente, vai continuar com a presidente Dilma. E esperamos que a política brasileira siga acompanhando o desejo do povo palestino de ser uma nação livre.
O governo palestino espera um protagonismo do Brasil no
processo de paz? Qual papel podemos desempenhar?
O Brasil sempre vai desempenhar um papel importante na área internacional, especialmente na questão palestina. Os últimos oito anos demonstram o quanto é importante a presença brasileira nesse conflito. E o país fez o que era mais importante: reconhecer o Estado palestino. Mas o Brasil pode investir na infraestrutura palestina, procurar parceiros para investimentos na Palestina. Pode utilizar seu peso na arena internacional para ir melhorando a infraestrutura de um Estado palestino.
Por ter boas relações também com Israel, o Brasil poderia
interceder para que cessem as construções nos assentamentos?
Interceder, pode, mas o ponto é se Israel aceitaria. Porque o Brasil não deixou de interceder todo esse tempo ; e a prova disso são as várias visitas do chanceler Amorim e as várias delegações que visitaram ambos os lados ;, mas Israel faz pouco caso. Israel não ouve o Brasil. E, inclusive, nem os Estados Unidos.
Qual o peso da ajuda dada pelo Brasil à Palestina, por meio
do Ibas?
Está tudo por ser feito na Palestina, e toda a ajuda do Brasil, do Ibas e da comunidade internacional é importante para nós nesse momento. É importante o trabalho feito em Gaza e na Cisjordânia, na reconstrução de escolas, hospitais e até estádios esportivos. Devido a 43 anos de ocupação, as estruturas foram abandonadas, muita coisa foi destruída pelo Exército de Israel. E outras estruturas não foram construídas precisamente pela presença dos ocupantes israelenses. O maior obstáculo para o nascimento e crescimento da Palestina é a ocupação israelense, que se manifesta pela presença militar e dos colonos, pelas atividades bélicas de repressão contra nosso povo, que impedem o crescimento normal do país.
Em quais áreas o Brasil pode ajudar mais?
Por exemplo, na questão de água. Em São Paulo, há um estudo sobre como pegar água da atmosfera, e o nosso problema é água. Não somente na Palestina, mas em toda a região, o que pode provocar uma guerra no futuro. No último ano, vieram várias delegações ao Brasil para estudar avanços no manejo do lixo tóxico. Também temos de colocar em prática os acordos em agricultura, educação. Em relação ao esporte, temos tido um intercâmbio interessante: neste ano, veio um grupo de futebol feminino para ter cursos em São Paulo, e hoje em dia temos três treinadores de futebol palestinos que estão em Santos.
Como é possível avançar com o comércio entre Brasil e Palestina?
O comércio é incipiente, porque isso é uma questão de soberania, e nós não temos essa soberania. Temos muito produtos para serem promovidos aqui no Brasil, tanto serviços quanto matéria-prima em agricultura, e temos também muitos produtos brasileiros que poderíamos consumir. Mas tudo tem que ser por meio de Israel. Para nós, o Brasil será um parceiro importante, porque todos os produtos de que precisamos existem aqui, sobretudo produtos agrícolas: soja, azeites, frutas, carnes, café. Quando se fala de café na Palestina, se fala do café brasileiro. Precisamos até de materiais e serviços de construção para reconstruir o país. Como nossa topografia é montanhosa, possivelmente vamos precisar também da engenharia civil brasileira, que é bastante avançada.
E o que pode interessar o Brasil na Palestina?
O produto mais importante palestino é o turismo religioso. Temos aqui no Brasil uma comunidade majoritariamente cristã, e a rota do cristianismo está entre Palestina, Israel, Jordânia e Egito. Além de produtos agrícolas, como azeite de oliva e seus derivados, e a pedra palestina, que é considerada o nosso ;ouro branco; e é muito usada na construção.
PATRIARCA PALESTINO
Yasser Arafat tornou-se o símbolo da luta pelo Estado palestino desde que fundou o grupo guerrilheiro Al-Fatah, em meados dos anos 1950. Com a derrota dos exércitos árabes na guerra de 1967, seu prestígio levou-o ao comando da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que funcionou como um ;Estado no exílio; até 1993. Nesse ano, Arafat assinou com o premiê e o chanceler de Israel ; respectivamente, Yitzhak Rabin e Shimon Peres ; os Acordos de Oslo, que criaram a Autoridade Palestina (AP). Arafat presidiu o governo autônomo até morrer, em novembro de 2004.