Jornal Correio Braziliense

Mundo

Lula diz que prisão de Assange viola a liberdade de expressão na internet


O fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, não conta mais apenas com o apoio de hackers que protestam contra sua prisão, sob a acusação de crimes sexuais. Em mais um dia de ataques de ;hacktivistas; a páginas na internet de empresas e pessoas contrárias ao WikiLeaks e a Assange, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, engrossaram o coro dos que criticam a detenção do australiano em Londres, a pedido da Suécia. ;O rapaz que estava desembaraçando a diplomacia americana foi preso e não estou vendo nenhum protesto contra a (violação da) liberdade de expressão;, lamentou Lula ontem. Em resposta, o porta-voz do Departamento de Estado Charles Luoma-Overstreet afirmou que os problemas do fundador do WikiLeaks com a Justiça da Suécia são ligados a estupro: ;As acusações pelas quais Assange foi detido não têm nada a ver com o Wikileaks;.

O presidente ressaltou que Assange tem sua solidariedade, e reiterou que a responsabilidade pela divulgação dos telegramas não é do jornalista australiano. ;Se ele leu, foi porque alguém escreveu. Logo, o culpado é quem escreveu;, argumentou. Para Lula, o WikiLeaks ;desnuda uma diplomacia que parecia intocável, a mais correta do mundo;. Ele acrescentou que vai alertar a presidente eleita, Dilma Rousseff, sobre as informações e opiniões emitidas por diplomatas do Brasil. ;Não sei se meus embaixadores passam esses telegramas, mas a Dilma tem que saber e falar para seu ministro: Se não tiver o que escrever, não escreve bobagem;;, emendou.

Cerca de duas horas depois, foi a vez de Putin questionar a prisão do fundador do site que tem divulgado documentos secretos dos Estados Unidos. ;Se falamos de democracia, é necessário que seja total. Por que Assange foi preso? Isso é democracia?;, questionou o premiê. Como Lula, Putin está na contramão de outros governos, que acusam o site de colocar em risco a segurança global. ;É preciso começar olhando para nossos próprios pés. A bola está no campo de nossos colegas americanos, agora;, ironizou.

A alta comissária para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Navi Pil-lay, também se mostrou preocupada com as pressões exercidas sobre empresas para suspenderem serviços financeiros ou de hospedagem prestados ao WikiLeaks. ;Se o site cometeu algum ato ilegal reconhecível, isso precisa ser tratado por meio do sistema judicial, e não por meio de pressão e intimidação, inclusive contra terceiros;, disse. Pillay concordou com Lula ao dizer que tais medidas podem ser interpretadas como violação da liberdade de expressão.

Ataques
Os ;hacktivistas; do grupo Anonymous, que causaram na quarta-feira o fechamento dos sites das operadoras de cartão de crédito MasterCard e Visa, continuam com os ataques na web. Na madrugada de ontem, eles tiraram do ar o site oficial do governo sueco, em uma ação de apoio não a Assange, mas a seu trabalho à frente do WikiLeaks, como destacou o hacker Swell, em entrevista ao Correio (ver abaixo). Com o ataque de negação de serviço distribuídos (DDoS), o Anonymous também conseguiu deixar off-line o site da ex-candidata a vice-presidente norte-americana Sarah Palin e do senador conservador Joe Lieberman, fortes opositores à página que vazou, desde novembro, mais de 250 mil documentos diplomáticos dos EUA.

O grupo de hackers garante que sua campanha não terminou. ;Cada vez mais pessoas estão baixando a ferramenta ;botnet;, que permite ordenar os ataques DdoS;, afirmou à rádio britânica BBC um porta-voz do grupo, que se apresentou com o codinome Coldblood (;sangue frio;). ;Começamos como uns poucos usuários, menos de 50. Agora, somos cerca de 4 mil.;

O Anonymous começou a agir no último sábado, ao derrubar o blog do serviço de pagamentos on-line PayPal ; que havia desativado a conta do WikiLeaks ; por cerca de oito horas. O PayPal reativou a conta do site na quarta-feira, embora tenha restringido seu uso, impedindo a equipe do WikiLeaks de receber novos donativos. ;Entendemos que nossa decisão se tornou parte de um assunto maior, que envolve debates políticos, legais e de liberdade de expressão em torno das atividades da página na internet;, argumentou John Muller, diretor jurídico do serviço.


VAZAMENTO É "ROUBO"
O primeiro-ministro da França, François Fillon, ao contrário do colega russo e do presidente brasileiro, atacou duramente o vazamento de documentos sigilosos pelo WikiLeaks. Fillon considera a publicação de despachos diplomáticos norte-americanos um ;roubo;. ;Nunca me ouvirão comentar informações roubadas. Penso que cada um deveria se perguntar sobre o uso que se faz de documentos roubados. O roubo é condenável em todos os países do mundo, e o roubo encoberto também é condenável;, disse, durante visita a Moscou, ao ser questionado sobre as críticas feitas a dirigentes russos por parte de diplomatas franceses e norte-americanos, que aparecem na página na internet.


ENTREVISTA - SWELL
;Nós defendemos a liberdade de expressão;
Rodrigo Craveiro
Swell é um hacker envolvido na Operation Payback (Operação Troco). Por isso, não pode revelar a identidade. ;Sou membro do grupo Anonymous;, afirmou ao Correio, respondendo a um pedido de entrevista feito para o e-mail do Why We Protest (;por que protestamos;) ; site criado para atacar a Igreja da Cientologia e que reúne membros da Operação Troco. Em poucas linhas, Swell explicou o propósito da ofensiva virtual, que derrubou os sites internacionais das operadoras de cartão de crédito Visa e MasterCard e do banco suíço PostFinance. Os ataques causaram transtornos a milhões de clientes. ;É uma forma de desobediência civil;, afirmou. Swell revelou que o site da loja Amazon.com é outro alvo potencial. O hacker também falou sobre o escândalo envolvendo o WikiLeaks, de Julian Assange.

Qual é o propósito da Operação Troco?
A Operação Troco é um plano para alvejar vários sites que negaram serviços ligados ao WikiLeaks, por uma razão ou por outra, incluindo o MasterCard.com, o Visa.Com, o PayPal.com e o Amazon.com. O propósito é expor os sites que não apoiam a liberdade de expressão. Esses websites e outros têm negado serviços comerciais ao WikiLeaks, sob o pretexto de que o que eles fazem é ilegal. A maior parte tem sido pressionada por membros do governo norte-americano para recusar serviços ao WikiLeaks. Nós acreditamos que essa é uma violação da Constituição dos Estados Unidos, e queremos demonstrar que a transgressão da Carta Magna, a pedido da Casa Branca, é inaceitável. Se o governo não fizer nada sobre isso, nós, os cidadãos da internet, faremos.

Quais serão os próximos alvos?
Os próximos passos da Operação Troco são decididos minuto a minuto. Nós, do Anonymous, não planejamos nossas operações da forma como a maior parte das pessoas o faz. Acredito que o site Amazon.com tenha sido discutido. Seria seguro dizer que qualquer corporação que tenha cortado seus negócios com o WikiLeaks devido à pressão dos Estados Unidos é um possível alvo.

Por que vocês defendem as ações de Julian Assange, ao atacar
seus inimigos?
Nós não estamos defendendo as ações de Julian Assange. Estamos defendendo as ações do WikiLeaks, uma organização formada por muitas pessoas, da qual Assange é o porta-voz. Nós acreditamos que o WikiLeaks é uma organização jornalística dedicada à transparência governamental. Nós acreditamos que os cidadãos têm o direito de saber o que seus governos estão fazendo, e que o WikiLeaks se levanta por esse direito. Além de apoiar o WikiLeaks, defendemos a liberdade de expressão. Do mesmo modo, não estamos atacando inimigos de Julian Assange. Estamos atacando pessoas que percebemos como inimigos da liberdade de expressão.

Como o senhor vê o escândalo envolvendo o WikiLeaks?
Nós vemos o escândalo como indicativo de um tema mais amplo e global. Os governos estão cada vez mais fora de sintonia com o que seus cidadãos desejam. Também acreditamos que há uma grande mudança em relação aos segredos de governo. O WikiLeaks está combatendo essa tendência da melhor forma que pode. Para nós, isso é um tema de liberdade de expressão.