Código: 10MADRID154. Assunto: ;Detalhes da estratégia da Espanha para combater a máfia russa;. A mensagem escrita pelo promotor José Grinda Gonzalez, em 14 de janeiro passado, revela um retrato perturbador de como o Kremlin ; a sede do poder na Rússia ; manteria relações promíscuas com o crime organizado. No documento, classificado como ;Secreto/Proibido a estrangeiros; e vazado ontem pelo site WikiLeaks, Grinda afirma que a Bielorússia, a Chechênia e a Rússia são virtuais ;Estados mafiosos;. ;Para cada um desses países, não se pode diferenciar entre as atividades do governo e as ações dos grupos do crime organizado;, escreveu no memorando enviado da Embaixada dos Estados Unidos em Madri.
O espanhol demonstra preocupação especial com a máfia da Rússia e expõe dois motivos para isso: o ;tremendo controle; sobre setores estratégicos globais da economia global (como o alumínio) e a suposta implicação do premiê Vladimir Putin com o submundo. O promotor também conta ter recebido informações segundo as quais ;certos partidos políticos russos operam de mãos dadas com o crime organizado;. As acusações se baseiam em dados obtidos com os serviços de inteligência e por meio de testemunhas e de grampos telefônicos.
As acusações não param por aí. No texto confidencial, Grinda alega a existência de ligações comprovadas entre os partidos políticos da Rússia, o crime organizado e o tráfico de armas. E faz uma grave denúncia. Segundo ele, o ex-espião russo Alexander Litvinenko ; assassinado por envenenamento em 23 de novembro de 2006 ; estava correto em afirmar que o Serviço de Segurança Federal (FSB, pela sigla em russo), Serviço de Inteligência do Exterior (SVR) e a inteligência militar controlam o crime organizado na Rússia. Em outro documento divulgado pelo WikiLeaks, o secretário-assistente de Estado norte-americano, Daniel Fried, questionou sobre a possibilidade de Putin ter sido informado sobre a morte de Litvinenko, dada a atenção do premiê ;ao detalhe;.
Um terceiro memorando traz o registro de uma conversa entre David Kramar, então vice-secretário assistente de Estado para Assuntos da Eurásia, e um líder da oposição não identificado. Kramar conta que ;Putin estava nervosamente buscando assegurar sua imunidade de investigações judiciais sobre seus proventos alegadamente ilícitos;. Dmitry Peskov, porta-voz de Putin, considerou ;ridículas; as denúncias sobre a suposta fortuna do premiê.
Em entrevista ao Correio, dois especialistas russos afirmaram não estar surpresos com as revelações dos memorandos secretos expostos pelo WikiLeaks. Cientista política do Instituto de Assuntos Internacionais do Estado de Moscou, Lilia Shevtsova lembra que tanto o presidente Dmitri Medvedev quanto o próprio Putin já admitiram um ;grau incomum; de corrupção no país. ;O WikiLeaks não danificou a Rússia, segundo a percepção da elite e de observadores russos;, afirma. ;Temos nos acostumado a viver sob a atmosfera do Kompromat (o uso de informações comprometedoras para pressionar terceiros);, acrescenta. Lilia admite que seu país é bombardeado com frequência por notícias desagradáveis sobre corrupção, sobre degradação do poder e sobre desmoralização das autoridades. ;Essas afirmações diplomáticas do WikiLeaks não dão aos russos nenhum novo sentimento;, garante.
Ironia
A especialista, que também ocupa uma cadeira no renomado Carnegie Endowment for International Peace, ironiza algumas informações dos telegramas secretos. ;Talvez Medvedev tenha se chateado por ter lido que é fraco e ter sido comparado a um Robin trabalhando para o Batman;, observa. ;Mas Putin poderia ter ficado satisfeito ao se ver descrito como um ;macho alfa;;, brinca. De acordo com Lilia, o ;Estado mafioso; e o crime organizado ocupam as páginas diárias dos jornais de Moscou.
Por sua vez, o analista Andrey Kortunov, presidente da New Eurasia Foundation (em Moscou), acredita que o problema transcende os partidos políticos ; muito fracos e ligados ao Executivo. O que emperra a máquina estatal, segundo ele, é a burocracia dominante. ;A Rússia não é muito diferente de muitos países da América Latina, onde o Estado e os negócios não são realmente separados um do outro. Se você é uma autoridade de alto nível, provavelmente tem interesses financeiros no governo. Se é um oligarca, tem que se incorporar a um grupo político;, explica.
MOSCOU NA BERLINDA
Principais conclusões do promotor José Grinda González, em mensagem enviada a Washington
; Espiões russos utilizam chefões da máfia para realizar operações criminosas, como o tráfico de armas.
; As agências de garantia da lei, tais como a polícia, as agências de espionagem e o escritório da procuradoria operam uma proteção fraudulenta para redes criminosas.
; Atos de suborno atuam como um sistema de impostos paralelos para o enriquecimento pessoal de policiais, autoridades e da KGB (o serviço secreto russo).
; Os investigadores que examinavam ligações da máfia com a Espanha complaram uma lista de promotores russos, autoridades militares e políticos que têm negócios com redes do crime organizado.
; Putin é acusado de acúmulo de ;proventos ilícitos; desde seu mandato (como presidente), os quais vários fontes alegam estar escondidos no exterior.
ASSANGE SEM PERDÃO
Um erro na redação do mandado de prisão, expedido pela Justiça da Suécia, contra o fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, permitiu ao ex-hacker australiano escapar de uma detenção no Reino Unido. A informação foi divulgada ontem pelo jornal britânico Times. Segundo a reportagem, a polícia do Reino Unido tinha conhecimento da localização de Assange ; no sudeste do país ;, mas não pôde agir em função dos erros no mandado de prisão.
A Interpol (polícia internacional) informou na terça-feira que emitiu um pedido de captura internacional contra Julian Assange. Em 18 de novembro, a Justiça sueca divulgou uma ordem de prisão contra o australiano de 39 anos com o objetivo de interrogá-lo por ;suspeitas razoáveis de estupro, agressão sexual e coerção;, em um caso ocorrido em agosto. Assange vive entre o Reino Unido e a Suécia. Na terça-feira, um advogado apresentou uma apelação à Suprema Corte sueca para contestar a ordem de captura. No entanto, a decisão foi confirmada em apelação.
O WikiLeaks divulgou ontem mais uma parte dos 250 mil telegramas confidenciais do Departamento de Estado norte-americano. Segundo os documentos, o Egito foi citado por um embaixador dos EUA como ;um aliado teimoso e recalcitrante;. Os textos mostram a preocupação de Washington com o aumento do crime organizado em Israel. Nos memorandos, o presidente do Turcomenistão, Kurbanguly Berdymukhamedov, é descrito como ;não muito brilhante; e ;mentiroso de primeira;, que não gosta dos Estados Unidos, do Irã ou da Turquia. ;Meticulosamente arrumado, uma vez que ele insistiu que todos os homens que trabalhavam em sua clínica odontológica fizessem vincos na calça;, afirma um dos escritos. Os documentos mostram ainda a ansiedade da Casa Branca em relação ao ;aconchego; do presidente venezuelano, Hugo Chávez, com o Irã ; além dos laços estreitos entre os serviços de inteligência de Cuba e a Venezuela.
LULA RECONHECE ;BOBAGENS; DOS ESTADOS UNIDOS
; O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem, em entrevista a rádios comunitárias, que o governo dos Estados Unidos faz ;bobagem; como todo mundo. ;Você vê o que está acontecendo agora com esses telegramas do governo americano; Estão desnudando uma sabedoria de que os americanos são melhores do que os outros. Fazem as bobagens que todo mundo faz;, declarou o chefe de Estado, ao comentar as divulgações dos telegramas secretos do Departamento de Estado dos EUA por parte do site WikiLeaks. Lula defendeu a existência de regras para a regulação da mídia. Na última terça-feira, o presidente chegou a qualificar como ;insignificantes; os vazamentos.
EU ACHO...
;O problema na Rússia reside principalmente nas burocracias estatais em seus vários níveis. Elas se tornaram onipotentes ao longo dos últimos anos e estabeleceram suas próprias regras do jogo político, incluindo o que é chamado de ;aluguel administrativo;.;
; Andrey Kortunov, presidente da New Eurasia Foundation, em Moscou
ENTREVISTA / LILIA SHEVTSOVA
"O WIkiLeaks não
danificou a Rússia"
Rodrigo Craveiro
Em entrevista ao Correio, a russa Lilia Shevtsova -- professora de ciência política do Instituto de Assuntos Internacionais do Estado de Moscou e analista do Carnegie Endowment for International Peace -- falou sobre as denúncias feitas pelo site WikiLeaks de que o Estado russo seria "mafioso" e andaria "de mãos dadas" com o crime organizado.
De acordo com os telegramas secretos revelados pelo Wikileaks, a Rússia é um "Estado mafioso", cujos partidos políticos atuam de mãos dadas com o crime. Como vê essa denúncia?
O WikiLeaks não danificou a Rússia, na percepção da elite e de observadores russos. Nós temos nos acostumado a viver na atmosfera de Kompromat (o uso de informações comprometedoras para pressionar as pessoas). Já ouvimos tantas notícias desagradáveis sobre a corrupção, a degradação do poder e a desmoralização das autoridades, que as afirmações diplomáticas não dão aos russos quaisquer novos sentimentos. Talvez Medvedev tenha se chateado por ter lido que ele é fraco e por ter sido comparado a um Robin trabalhando para o Batman. Mas Putin poderia ter ficado satisfeito ao ler que ele é um "macho alfa". O "Estado mafioso" e o crime organizado são manchetes diárias de jornais na Rússia.
Segundo um promotor espanhol citado nos documentos, houve provas de ligações entre os partidos políticos russos, o crime organizado e o tráfico de armas. A Rússia é um Estado corrupto?
Até mesmo o presidente Medvedev e, mesmo o ex-presidente Vladimir Putin, já admitiram um grau incomum de corrupção na Rússia. Isso não é uma revelação nem mesmo para a liderança russa.
Em outro memorando, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, teria afirmado que a democracia russa desapareceu e comparou o governo a uma oligarquia administrada por serviços de segurança?
Gates está certo. Em entrevista a Larry King, Putin retrucou que a Rússia é uma democracia. O que ele poderia fizer? Concordar com Gates. A população russa é receosa do sistema russo. Mas até o momento o povo não vê uma alternativa. Ela surgirá em algum momento. Há sinais de que a sociedade começa a despertar.