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Aliança, dividida, vai aprovar transferência de poder no Afeganistão

Os governantes dos 28 países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) devem aprovar hoje em Lisboa um cronograma para a transferência do controle sobre a segurança no Afeganistão às tropas do exército local, reorganizado com apoio das forças estrangeiras a partir da invasão liderada pelos Estados Unidos, em 2001. Diferenças entre os governos que formam a aliança, porém, permitirão apenas a definição de uma estratégia em termos vagos, prevendo que a transição comece em 2011 e se estenda até 2014. Barack Obama chegou à capital portuguesa preocupado em salientar que o plano não prevê um prazo para a retirada da Otan, mas alguns dos aliados entendem que suas tropas precisam de horizontes claros: o premiê britânico, David Cameron, diz que sua missão será encerrada até 2015; o espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, espera sair até 2012; e mesmo o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, considera 2014 uma data ;realista;.

Em artigo publicado ontem pelo jornal português Público, Obama limitou-se a escrever que o cronograma proposto ;provavelmente; será cumprido. ;Vamos harmonizar nossa política, de forma que possamos iniciar a transição no início do próximo ano e adotar a meta do presidente (afegão Hamid) Karzai de que as forças (afegãs) assumam o controle da segurança no fim de 2014;, diz o texto. Nas primeiras discussões com os aliados, o presidente americano ressaltou que, dos 140 mil soldados da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf) atualmente em serviço no Afeganistão, parte continuará no país após essa data, para ajudar na formação do Exército e da polícia.

O comando militar americano, no entanto, envia sinais contraditórios. Oficiais e funcionários do governo, citados ontem pelo jornal The Washington Post, asseguraram que o Pentágono autorizou o envio de 14 tanques de guerra para o Afeganistão, já no mês que vem, com o propósito de reforçar as operações dos fuzileiros navais. De acordo com a reportagem, essa iniciativa sugere a adoção de ;táticas mais agressivas; contra a milícia extremista islâmica Talibã. Caso se concretize, será a primeira vez que as forças americanas operam com tanques em 10 anos de presença no país.

O comandante das forças internacionais no Afeganistão, o general americano David Petraeus, deve detalhar hoje, na cúpula de Lisboa, o calendário para devolução do controle dos distritos para as tropas locais. Esse cronograma ajudará a aliança a estabelecer a estratégia para a transição. O secretário-geral da organização prevê que será necessário o envio de mais centenas de militares para treinar as forças afegãs até o fim de 2011.

Em protesto contra a reunião, um grupo de 50 ativistas alemães, belgas, espanhóis, franceses e britânicos se encontrou na Escola Secundária de Camões (Liceu Camões) para uma ;anticúpula; pacifista. Na manifestação, que continuará amanhã, estão previstas conferências sobre as reformas pelas quais a Otan vai passar, o caso das forças militares no Afeganistão e as relações do órgão com a Rússia ; ou seja, sobre os mesmos assuntos em pauta na cúpula oficial, que se reúne a 8km de distância da escola.

Escudo
A Otan aprovou ontem a instalação de um escudo antimísseis para os países-membros. ;Estou feliz em anunciar que, pela primeira vez, concordamos em desenvolver um sistema de defesa antimísseis que estará capacitado para cobrir todo o território e a população dos países europeus membros da Otan e dos Estados Unidos;, anunciou Barack Obama. Ele acrescentou que os dois acordos do primeiro dia de reunião foram ;progressos substanciais;. Hoje, os líderes dos 28 países vão buscar o apoio do presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, para o desenvolvimento do sistema, que será capaz de deter mísseis de longo alcance.

A organização também aprovou o ;conceito estratégico; que substituirá o elaborado em 1999 e se adaptará às ameaças de segurança da próxima década. Entre os desafios estão o terrorismo global e os ataques cibernéticos, informou Rasmussen.


VERDE QUE TE QUERO

Para quem se elegeu falando em energias renováveis e economia verde, Barack Obama apresentou-se à cúpula da Otan sem a menor preocupação com as emissões de gás carbônico: chegou na Fera, limusine blindada movida a óleo diesel, que acompanha o presidente americano nas viagens externas. Quem deu o exemplo foi o anfitrião, o premiê José Sócrates, que circula pela capital portuguesa a bordo de um moderno carro elétrico, orgulhoso com o fato de que seu país já tem uma rede nacional instalada para recarga das baterias.


ANÁLISE DA NOTÍCIA
Cada um cuida de si

Silvio Queiroz

Os governantes dos 27 países da Otan chegaram a Lisboa levando cada qual na bagagem os próprios problemas internos, e empenhados em subordinar a eles as decisões sobre a estratégia da aliança para a guerra no Afeganistão. Começando por Barack Obama, para quem 2011 é o ano: iniciar a transferência de autoridade para as forças locais no ano que vem parece conveniente do ponto de vista da luta pela reeleição em 2012, tanto mais se não entrar em pauta uma data para a retirada das tropas americanas.

Diferente é o cronograma do premiê espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, que já tem problemas demais com a crise econômica e a reação de sua base eleitoral a um pacote de austeridade totalmente avesso ao ideário de seu governo socialista. Zapatero, que se elegeu em 2004 e logo cumpriu a promessa de tirar os espanhóis do Iraque, enfrenta as urnas de novo em 2012 ; por isso, é este o seu teto para permanecer engajado no Afeganistão.

Nem mesmo o Reino Unido, aliado mais fiel das últimas décadas, alinha-se incondicionalmente com Washington agora. O conservador David Cameron, eleito premiê neste ano, sabe que se beneficiou, entre outros fatores, da prontidão com que o antecessor trabalhista Tony Blair engajou-se nas campanhas bélicas de George W. Bush. Seu horizonte para o compromisso é o mesmo do mandato: 2012.