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Viúva de brasileiro morto em Portugal relata crime e denuncia xenofobia

Serralheiro foi atacado com uma facada no peito

Luciano Correia da Silva, 28 anos, segurou uma das mãos da mulher, a esteticista Andressa Valéria, de 26 anos, e levou-a até o ferimento no peito. Uma última tentativa desesperada de estancar o sangue. Ele beijou-a e, pouco depois, morreu em uma mesa de cirurgia de um hospital de Caldas da Rainha, a 100km de Lisboa. Por volta das 5h30 de domingo (3h30 em Brasília), o sonho do casal de retornar ao Brasil e viver no município de Seringueiras, a 581km de Porto Velho, foi desfeito pelo assassino. Ouça entrevista com Andressa Valéria, viúva do brasileiro Luciano Correia, que foi assassinado em Portugal nesta segunda (15/11). Andressa tenta, de alguma forma, subverter a dor e a saudade do marido, com quem vivia havia quatro anos e meio. O desejo de justiça fala mais alto. ;Eu me lembro perfeitamente de tudo;, desabafa, em entrevista ao Correio, por telefone. ;A gente estava saindo de um bar e voltando para casa com dois amigos. O Luciano parou para urinar na calçada. O assassino descia a rua, como se viesse ao encontro de nós. Esse português já veio gritando: ;Brasileiro de m; Povo de m; Vai para a tua terra, vagabundo;;, relembra. Luciano trabalhava como serralheiro em Portugal e estava em situação legal no país. Andressa foi ontem à Polícia Judiciária da municipalidade de Leiria e fez o retrato falado do assassino. ;Era um cidadão branco, com pequenas rugas no rosto. Usava boné e caminhava como se fosse um malandro;, descreve. A mulher ainda criou uma desculpa para poupar a vida do marido. ;Eu me coloquei entre os dois e disse a ele: ;Moço, não faz isso, não, eu estou grávida;;, conta. Mas foi em vão. ;As pessoas que estavam conosco começaram a correr, gritando por socorro;, relata. A esteticista não sabe se o agressor correu atrás de Luciano. Ela tem certeza, porém, da motivação do crime. ;Foi preconceito. Não foi por ele estar urinando na rua. O homem matou o Luciano por ele ser brasileiro.; Segundo ela, os médicos fizeram de tudo para salvá-lo. Foram duas horas de reanimação no hospital. O casal vivia junto há 2 anos e 7 meses e tinha planos de retornar ao Brasil em dezembro. ;As coisas ficaram muito difíceis por aqui;, admite Andressa. A família começou a vender alguns bens, inclusive o carro, para arrecadar dinheiro para as passagens. Agora, a esteticista só pensa em voltar para o Brasil com a filha de 1 ano e 9 meses, enteada de Luciano. ;Se eu ficar nesse país, vou ficar louca. Aqui, há muitos portugueses bons. Mas, em compensação, nós, imigrantes, somos alvo de muito preconceito;, comenta. ;Aqui eles acham que brasileiro é vadio, é p; e safado. Se for brasileiro, é drogado ou bandido;, desabafa mais uma vez. Traslado A viúva quer ajuda para trazer o corpo do marido ao Brasil. ;Peço aos amigos que cada um dê um ou dois euros para levarmos o Lu para Seringueiras;, afirma. O Correio entrou em contato com o Itamaraty e foi informado que o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa tomou conhecimento do caso. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, não é praxe o custeamento do traslado do corpo de brasileiros mortos em outros países. No entanto, o governo costuma prestar apoio para a emissão de documentos e, em alguns casos, oferece assistência jurídica às famílias. O jornal Correio da Manhã, de Lisboa, deu destaque ao crime e publicou a foto de Andressa inconsolável, amparada por familiares. A reportagem sustenta que Luciano foi assassinado após uma ;discussão; provocada pelo fato de ele ter urinado em via pública. Por telefone, o repórter Francisco Gomes ; autor do texto ; disse que a polícia suspeita de um português ou um ucraniano. No site do diário, leitores escreveram alguns comentários preconceituosos. ;Isso não foi nada em vista do que esses rondonianos, mineiros, goianos, gente sem cultura do interior, fazem!”, criticou um deles. Brasileiros também aproveitaram para externar revolta. No site de relacionamentos Orkut de Andressa, uma mensagem dela pontuava a dor da família. ;Lu, eu te amarei eternamente. Juntos nós vamos para nossa terra, como o assassino disse. Estaremos juntos eternamente, meu amor, minha vida;, escreveu.