Quando foi libertada da prisão domiciliar que cumpria desde 2003, no sábado passado, a dissidente birmanesa Aung San Suu Kyi disse às pessoas que aguardavam para vê-la em frente à sua casa: ;Se quiserem me ouvir, vão, por favor, ao meu escritório amanhã;. Muitos queriam escutá-la. Quando, ontem à tarde, a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 1991 chegou à rua da antiga sede de seu partido ; a Liga Nacional para a Democracia (LND), dissolvida pela junta militar que comanda o país ;, milhares de pessoas a aguardavam.
De volta à arena política depois de sete anos, Suu Kyi, 65, fez um apelo para que a oposição trabalhe unida com o objetivo de restaurar a democracia em Mianmar (nome dado pelo atual governo à antiga Birmânia). No domingo 7, eleições legislativas com muitas denúncias de fraude foram realizadas com a vitória do partido que sustenta a junta militar.
;Quero trabalhar com todas as forças democráticas. Não guardo nenhum rancor. Acredito nos direitos humanos e no império da lei;, afirmou a opositora, vestida com a tradicional roupa azul-marinho. ;A democracia é a liberdade de expressão. Preciso da energia do povo. Quero ouvir a voz do povo. Depois, decidiremos o que queremos fazer;, discursou para a multidão de seguidores e para os antigos companheiros de partido.
Muitos duvidam que a junta militar no poder permita que ela se envolva novamente em atividades políticas. No entanto, advogado de Suu Kyi, Nyan Win, confirmou informações dadas por um funcionário do governo birmanês e afirmou que sua libertação é incondicional. Muitas também são as expectativas que a filha do general Aung San, herói da independência birmanesa, leva sobre os ombros. O exílio forçado dentro de casa ; Suu Kyi não tinha acesso ao telefone nem à internet ; não diminuiu sua influência sobre uma boa parte dos cidadão do país. ;Gostaríamos de ouvir falar do futuro político de Mianmar, da situação econômica e social do país. Os preços aumentam, nosso pobre povo sofre. Queríamos ouvir suas soluções. Nosso país deverá tornar-se democrático, nosso futuro depende de Aung San Suu Kyi;, dizia Nyi Min, militante do LND.
Incertezas
Embora os partidários depositem nela suas esperanças democráticas, a dissidente volta enfraquecida perante um governo mais poderoso do que nunca. A junta militar dissolveu o LND, que decidiu boicotar as eleições do dia 7. Isso criou um racha na oposição. Alguns dirigentes que acreditavam ser melhor concorrer no pleito abandonaram o partido para criar a Força Democrática Nacional (NDF). Acabaram derrotados na votação, muito criticada pelo Ocidente e organizações de direitos humanos.
Entidades como a Human
Rights Watch e a Anistia Internacional acreditam que a libertação de Suu Kyi é apenas uma estratégia do governo militar para diminuir a pressão internacional. Mianmar poderia, inclusive, ser alvo de sanções do Conselho de Segurança da ONU não fosse a defesa que recebe da China, membro permanente do órgão das Nações Unidas. ;A libertação é bem-vinda, mas não faz mais do que marcar o fim de uma condenação injusta;, frisou no sábado, em um comunicado, a Anistia Internacional.
As próximas semanas serão cruciais para que se saiba se o chamado à unidade oposicionista feito por Suu Kyi se cristaliza ou, ao contrário, a fratura é muito profunda. Além disso, a líder, que passou quase 15 dos últimos 21 anos privada de liberdade, também terá que se familiarizar com um país sobre o qual nada sabe desde 2003.