Boa parte da população do Haiti é obrigada a conviver com o medo, frente a um inimigo devastador. Especialistas temiam que um surto de doenças ocorresse durante o terremoto de 12 de janeiro passado, quando 250 mil pessoas morreram e muitos corpos ficaram expostos por dias nas ruas. O vibrião do cólera começou a atacar nove meses depois. Atingiu principalmente os desabrigados que se instalaram às margens do Rio Artibonite, em acampamentos improvisados e desprovidos do mínimo de higiene. Em 48 horas, a epidemia matou 142 haitianos, deixou 1,5 mil infectados e já alarma os especialistas. O ministro da Saúde, Alex Larsen, manteve uma ;reunião de crise; com o presidente René Préval e assegurou que a cepa é do tipo ;01;, considerada a mais perigosa. ;Posso confirmar que se trata de cólera;, disse, por sua vez, Préval, à agência Reuters. ;Agora estamos nos certificando de que as pessoas estejam plenamente informadas sobre as medidas preventivas que devem adotar para evitar a contaminação;, acrescentou o chefe de Estado. Há mais de um século, o Haiti não registrava casos da doença.
De acordo com as rádios locais, o epicentro do surto seria a cidade de Saint Marc, 96km ao norte de Porto Príncipe, com 26 mortes e mais de 400 internações. Em Verette, na mesma região, o cólera fez 18 vítimas. A superlotação dos hospitais forçou os médicos a atenderem, do lado de fora, os pacientes com diarreia aguda. ;É alerta máximo, devemos nos manter mobilizados 24 horas por dia para ajudar o governo a fazer frente a esta situação;, declarou o presidente da Associação Médica Haitiana, Claude Surena. Por sua vez, Larsen explicou que análises bacteriológicas rápidas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) testaram positivo para a presença do cólera no norte da ilha. No entanto, de acordo com a agência de notícias France-Presse, a entidade adota uma posição de cautela e aguarda resultados definitivos. ;A confirmação final continua em suspenso;, afirma a OMS.
Precauções
;É a primeira vez que escuto sobre algo assim aqui no Haiti;, desabafou ao Correio o operador de telemarketing Steve P;dre, de 23 anos, morador de Pétion-Ville, na periferia de Porto Príncipe. ;Tenho usado higienizadores para as mãos sempre após tocar em algo e não como frutos do mar;, contou. Ele alerta que, se as autoridades não agirem logo para deter o vibrião, a doença pode se espalhar. Apesar da gravidade da situação, Steve afirma que a população busca manter a calma e tomar cuidados básicos. ;As pessoas evitam comer qualquer coisa que desejam;, acrescenta.
A assistente administrativa Geraldine Scown, de 24 anos, vive na mesma área de P;dre e admite estar assustada. ;Eu estou tomando algumas precauções: lavo minhas mãos a cada minuto, compro minha própria garrafa de água mineral e estou mantendo meus filhos em casa por alguns dias;, relata, em entrevista pela internet. Ela não entende o motivo pelo qual o norte da ilha seja o foco da doença. ;Porto Príncipe é mais suja do que Artibonite e Saint Marc. Então, por que o cólera não começou aqui na capital?;, questiona.
Secretário executivo da Plataforma das Organizações Haitianas dos Direitos Humanos (POHDH), Antonal Mortimé não crê que a atual epidemia de cólera seja diferente de outros surtos que já assolaram o país. Mas ele reconhece uma série de preocupações. ;O sistema de saúde do Haiti é extremamente precário. Também é preciso considerar a vulnerabilidade do povo haitiano, depois do terremoto;, observa.
Da diarreia aguda à desidratação sem volta
O cólera é uma infecção intestinal aguda provocada pela ingestão de comida ou água contaminada com a bactéria Vibrio cholerae. Possui curto período de incubação, de menos de 24 horas a cinco dias. O micro-organismo produz uma enterotoxina que causa diarreia aguda, desidratação e morte rápida, caso o paciente não inicie o tratamento rapidamente. Outros sintomas são dor abdominal intensa, apatia, palidez e perda de memória. A maior parte dos pacientes também apresenta vômito. A doença adquire características epidêmicas em locais com condições sanitárias deficientes, em guerra ou com altas taxas de inanição. O tratamento inclui a administração de soro e de antibióticos.
Sem Hospitais
;Estamos esperando pelos resultados dos testes. As autoridades sanitárias começaram a reidratar todas as pessoas. Esperamos que isso melhore logo. Apenas precisamos que a comunidade internacional construa mais hospitais aqui no Haiti. Nós não temos hospitais;
Geraldine Scown, 24 anos, assistente administrativa, moradora de Porto Príncipe
Medo na capital
;Medicamentos começam a chegar ao meu país e as pessoas aqui em Porto Príncipe estão com medo de infectados fugirem para a capital. Uma epidemia pode se espalhar por todas as áreas perto de Saint Marc. É a primeira vez que uma doença assim atinge o Haiti. Os médicos dizem que ela é importada;
Steve P;dre, 23 anos, operador de telemarketing, morador de Porto Príncipe
Contenção
;Muitos materiais e pessoal de saúde estão sendo enviados a áreas do departamento de Artibonite. Trabalhei por dois anos em 15 municípios daquela região. O governo começou a fazer campanhas de conscientização para prevenir que a doença se espalhe;
Antonal Mortimé, secretário executivo da Plataforma das Organizações Haitianas dos Direitos Humanos (POHDH)