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Resgate dos 33 mineiros devolve à população o otimismo

Psicólogo vê melhora na identidade nacional

Assim que a cápsula Fênix 2 retornou das profundezas da mina de San José com Luis Alberto Urzúa Ibarren, abriu-se um novo ciclo na sociedade chilena. Às 21h46 da última quarta-feira, vivo e saudável, o 33; mineiro voltava à superfície, após 70 dias soterrado. Trazia com ele o orgulho de um povo, sepultado com o terremoto de magnitude 8,8 na escala Richter e o tsunami que varreu a costa do país, em 27 de fevereiro passado. As catástrofes deixaram mais de 500 mortos, 56 desaparecidos e abalaram a moral da população. No resgate mais emocionante da história mundial, o hino nacional entoado à boca do túnel de 622m de profundidade e os gritos ;Chi-chi-chi-le-le-le! Mineiros do Chile!” saíram dos limites do Acampamento Esperanza, no Deserto do Atacama, ganharam as ruas de Copiapó ; a 45km ;, chegaram à capital Santiago e se espalharam pela nação. ;Isso é uma tragédia, mas acredito que fez bem à alma do país;, afirmou, ainda na quarta-feira, o ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter.

Pablo Valdivieso, professor de psicologia social da Universidade do Chile, concorda com o político. ;A alma nacional ainda se recuperava do tremor de fevereiro, quando os mineiros foram soterrados;, afirma, em entrevista ao Correio, por telefone. Ele explica que houve uma mudança de percepção coletiva em relação ao novo desastre. ;Nos primeiros dias, houve uma grande angústia e a grande massa nacional acreditou que os 33 mineiros estivessem mortos. Essa sensação começou, então, a mudar e o resgate transformou-se em um elemento de muita felicidade, em uma constatação de que fizemos bem a tarefa, enquanto nação;, acrescenta.

Segundo Valdivieso, o envolvimento maciço de especialistas e instituições da mineração, a solidariedade internacional e a iniciativa do governo de importar maquinário de ponta ; como a perfuradora norte-americana Schramm T-130, que abriu o duto ; foram pontos decisivos para o sucesso da operação de resgate de US$ 22 milhões. ;Esses fatores recuperaram, progressivamente, a confiança e o sentimento de que os mineiros sairiam do centro da Terra e renasceriam como a Fênix;, comenta o especialista. ;Isso culminou em um golpe positivo na autoestima, uma certeza de que o país pode fazer algo bem e com seriedade.;

De repente, os próprios chilenos perceberam que seus engenheiros são surpreendentes e que a estatal exploradora de cobre, a Codelco, possui qualidade técnica. Passaram a ter controle sobre o destino e a ;capacidade; de unir forças para operar milagres. O que lhes foi privado durante o terremoto de fevereiro sobrou no resgate aos mineiros. ;Houve a sensação de que as coisas podem se sair bem. Isso melhora a identidade, mais do que o patriotismo;, observa Valdivieso.

Pertencimento
Para Roberto Durán Sepúlveda, professor de ciência política da Pontifícia Universidad Católica de Chile, a sociedade chilena é historicamente centrada em si mesma. ;Há uma forte sensação de pertencimento, provavelmente uma das mais intensas do hemisfério americano;, comenta. Ele afirma que o resgate dos mineiros soterrados provocou um estímulo intenso dessa sensação ; algo similar ao ocorrido após o terremoto do início do ano. ;Isso potencializou a capacidade coletiva frente a situações complexas;, admite Sepúlveda. Ele analisa o desfecho do soterramento dos mineiros como uma prova a mais da intensa autoestima da população.

Primeiro produtor mundial de cobre, o desafio de salvar os mineiros fez com que o Chile ostentasse uma tecnologia de ponta e técnicos extremamente profissionais. A exaltação ao esforço conjunto foi a tônica de um dos muitos discursos do presidente Sebastián Piñera, que dirigiu as operações de resgate, na mina de San José. ;Os mineiros nos deram um exemplo de como suportar a adversidade, ao que se soma a solidariedade aos socorristas, enquanto que nossos engenheiros nos deram provas de como fazer um resgate com êxito;, declarou o mandatário. No Ano do Bicentenário da Independência, o Chile deixava o pesadelo do terremoto para trás e operava um milagre transmitido aos quatro cantos do planeta. Uma prova contundente de que acreditar vale a pena. E que a esperança muitas vezes se sobrepõe à morte.

Três perguntas para Juan Carlos Mellibosky
Chefe do Departamento de Dermatologia do Hospital de Copiapó

Quais foram as doenças de pele mais comuns apresentadas pelos mineiros?
Apenas quatro pessoas apresentaram fungos na pele. Duas tiveram fungos nos pés e nas mãos e duas em outras partes do corpo. Nos primeiros dias, não sabíamos a causa disso. Depois, soubemos que os mineiros receberam de Israel meias especiais feitas de cobre. Essa substância previne e cura os fungos. Qualquer dermatologista sabe que os fungos começam pelos pés, antes de se espalharem pelo corpo.

Que problemas o senhor e sua equipe esperavam encontrar nos 33 mineiros?
Esperávamos encontrar problemas dermatológicos que eles não tiveram. Esperávamos encontrar problemas oftalmológicos que também não apresentaram. Um dos mineiros tinha uma enfermidade nas córneas, a qual acreditávamos que tivesse piorado. Tampouco se passou isso. Eles perderam peso, mas somente reduzindo sua gordura, e não a massa muscular. É impressionante a boa forma em que estão. Alguns deles apresentam síndrome do estresse pós-traumático, mas, no geral, estão bem psicologicamente.

Houve um milagre, na sua opinião?
Eu não creio em milagres. Conseguimos mandar algumas coisas, por meio de um tubo fino. Enviamos as meias cobertas de cobre, alimentos e informações. Por exemplo, colocar tábuas no chão para evitar a umidade. Não houve um milagre. O que ocorreu foi o fruto de um trabalho realizado durante esses 70 dias. Também lhes fornecemos cremes contra fungos. (RC)