;Começamos este plano do mínimo, vamos procurar que não falte nada do que couber a cada um e o que tenhamos adiante sejam aumentos, não diminuições;, disse o líder cubano, Fidel Castro, em março de 1962, quando criou uma cartilha de racionamento batizada de ;libreta de abastecimento;. Quase cinco décadas depois, o regime cubano decide se ;atualizar;: além da demissão de 500 mil funcionários públicos nos próximos seis meses, a cartilha também deve mudar. Em vez de subsidiar os produtos básicos para todos, o governo cubano manterá o benefício apenas a quem precisar. Uma fonte da diplomacia cubana garantiu ao Correio que o ajuste nos subsídios da cesta básica ocorrerá de forma paulatina.
O professor Helio Doyle, do Núcleo de Estudos Cubanos da Universidade de Brasília (UnB), explica que o governo cubano percebeu que o ;socialismo, tal qual era entendido até a década de 1980, não tem condições de subsistir;. ;Antes, eles falavam em ;aperfeiçoamento;; agora, falam em ;atualização;. Estão implicitamente admitindo o seguinte: o modelo anterior de socialismo foi superado e, agora, nós temos que criar um novo, para manter o socialismo;, analisa Doyle.
Em artigo publicado semana passada, Lázaro Barredo Medina ; diretor do jornal oficial Granma ; ressaltou que a cartilha de abastecimento foi necessária em um momento determinado. Segundo ele, agora o país ;terá de resolver não por decreto, mas com medidas econômicas que garantam o acesso das pessoas de baixa renda à cesta básica e estimulem o restante a trabalhar, a fim de obter benefícios salariais a partir dos resultados;.
Doyle recorda que, na década de 1980, todos os salários estavam entre 180 pesos cubanos (R$ 370) e 800 pesos cubanos (R$ 1,3 mil). Médicos, professores universitários e físicos ganhavam os melhores salários, enquanto o trabalhador manual recebia 180 pesos. ;A cartilha era o símbolo da igualdade. O ministro ia ao armazém pegar a quota dele, como todo mundo;, ressalta o professor da UnB. Com a queda da União Soviética (URSS) e sua cooperação financeira, tornou-se impossível manter a situação após a década de 1990. ;Um médico hoje ganha menos que um carregador de mala em hotel, porque este último recebe em euros ou dólares, e o primeiro, em pesos cubanos. Essa igualdade dos anos 1980 não existe mais. Então, o governo cubano viu que não tem mais sentido dar a ;libreta; para todo mundo;, afirma Doyle.
O especialista acredita que os grandes desafios para a ;atualização; do socialismo cubano estarão na cobrança de impostos e na abertura para contratação de trabalhadores pela iniciativa privada. ;São duas questões culturais: o imposto existe desde de 1990, com a introdução do trabalho por conta própria. No entanto, tiveram que passar um ano anunciando que cobrariam impostos. A maioria dos cubanos não está acostumada. A outra questão é que ninguém podia ter empregado, pois, na ótica marxista, não há exploração do homem pelo homem. Essas medidas rompem tabus;, destaca o professor.
Visita de Amorim
Em meio ao anúncio das medidas econômicas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chegou ontem a Havana. Segundo o Itamaraty, o objetivo é discutir a cooperação bilateral com as autoridades cubanas e intensificar as relações no contexto da ;integração latino-americana e caribenha;. Amorim levou uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dirigida ao presidente cubano, Raúl Castro, cujo conteúdo não foi divulgado.