A proximidade das eleições levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela primeira vez em oito anos de mandato, a desistir de participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, a partir do próximo dia 23. Quem abrirá a 65; sessão em seu lugar ; seguindo a tradição de o Brasil fazer o discurso inicial ; será o chanceler Celso Amorim. A decisão, segundo o Planalto, ainda pode ser revertida, mas é pouco provável que Lula deixe o país faltando pouco mais de uma semana para o pleito. O mandatário perderá a última grande ;vitrine; internacional, mas também se esquivará de um possível encontro com o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, que não seria politicamente interessante às vésperas da votação no Brasil.
Amorim deverá enfocar novamente a urgência na reforma dos fóruns internacionais multilaterais, como a própria ONU, mas também deve fazer um balanço positivo da gestão Lula ; o que pode funcionar bem para a candidata do PT, Dilma Rousseff, na reta final da campanha. Aproveitando o gancho dos 10 anos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, Amorim mostrará o avanço do país no cumprimento das metas de erradicação da pobreza e da fome, com modelos como o Bolsa Família, que poderiam servir para outros países. A seu favor, terá os números compilados em março último, segundo os quais o Brasil alcançou já em 2007 a redução de 25% no nível de pobreza extrema, prevista pela primeira das oito metas. Segundo esse levantamento, em 1990 havia 36 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia no Brasil ; número que caiu para 9 milhões em 2008.
Apesar da incontestável capacidade do chanceler de levar a mensagem de Lula à assembleia, a ausência do presidente deverá ser sentida ao menos pelos mais de 20 líderes que solicitaram encontros bilaterais com o presidente durante o período. Esta será a primeira vez que Lula deixará o discurso na ONU a cargo do chanceler. Seu antecessor imediato, Fernando Henrique Cardoso, só discursou para a assembleia uma vez em seus oito anos de governo. Isso demonstra ainda mais a importância da opção de Lula ; que sempre fez questão de representar o Brasil nesse tipo de fórum ; pelo palanque dos aliados. Até mesmo nas eleições de 2006, quando a sessão anual da assembleia ocorreu 10 dias antes da votação, Lula não deixou de ir a Nova York.
;O que é mais importante para ele veio em primeiro lugar. E ele simplesmente definiu como opção mais importante a eleição;, explica o embaixador Rubens Barbosa, que representou o Brasil em Washington até o início do governo Lula. Para o professor Amado Luiz Cervo, da Universidade de Brasília (UnB), no entanto, a opção foi ;calculada; levando em consideração não só a condição interna, mas também o público externo. ;Uma outra boa razão é que a imagem de Lula foi um pouco atingida neste ano por certas opções internacionais, como o caso de Honduras e a iniciativa em relação ao Irã, assunto no qual foi excluído de maneira acintosa pelo governo dos EUA;, destaca Cervo.
Segundo o professor da UnB, não era ;oportuno; para Lula fazer essa aparição agora, tanto mais pelo risco de uma saia justa envolvendo um eventual pedido de encontro com Ahmadinejad em Nova York. ;Ele mantém a imagem que conquistou e não vai enfraquecê-la no fim do seu mandato;, avalia. A especialista Cristina Pecequilo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), por sua vez, considera que havia grande expectativa em relação ao último discurso de Lula. ;Mas chegou-se à conclusão de que a reta final da eleição é mais importante. Além disso, entre fazer um balanço (no discurso em Nova York) de algo sobre o que há discordâncias e tentar garantir a eleição em primeiro turno, eles fizeram a opção correta;, opina, referindo-se às críticas que a política externa brasileira recebeu no último ano por decisões como a de buscar a aproximação com o Irã.
De pernas para o ar
Ao receber o chanceler do Quênia, Moses Wetang;ula, na última terça-feira, o ministro Celso Amorim mostrou ao colega a reportagem de capa desta semana da revista britânica The Economist. Sob o título ;Quintal de ninguém;, a matéria mostra como a América Latina tem conquistado sua independência política e econômica, exemplificada pela ;forte recuperação; dos países da região após a crise econômica que assolou o mundo em 2008. A capa traz a ilustração de um continente americano de ;cabeça para baixo;, imagem que ;casa; com a tapeçaria que decora o gabinete do chanceler brasileiro (o mapa-múndi invertido) e com o artigo publicado por Amorim no jornal espanhol El País, na segunda-feira. Intitulado ;Um novo mapa do mundo;, o texto destaca que algumas ;verdades do passado;, como a de que países como o Brasil não deveriam ter um papel mais relevante em fóruns como a Organização Mundial de Comércio (OMC), ;se renderam diante da evidência dos fatos;.
EUA acusam o Irã
Os Estados Unidos afirmaram mais uma vez que o Irã está decidido a desenvolver a bomba atômica. Desta vez, foi em um relatório apresentado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas pela embaixadora, Susan Rice, que também é conselheira de temas atômicos da ONU. Segundo o documento, Teerã ;se nega a atender às preocupações com a proliferação e parece determinado a obter armamento nuclear;. Ontem, Rice e os representantes do Reino Unido e da França pediram que outros países se emprenhem mais em implementar as sanções contra a República Islâmica.
;Há uma necessidade urgente de redobrar os esforços para responder às sanções. Os países-membros têm de agir rapidamente para cumprir com suas obrigações;, disse a embaixadora americana. De acordo com o relatório do comitê de sanções, apenas 36 países enviaram até agora informações sobre a forma como estão implementando as medidas. O apelo das potências ocidentais foi feito uma semana antes de um encontro do grupo cinco mais um (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha), em Nova York, às margens da Assembleia Geral. E dois dias depois de a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ter lamentado a decisão de Teerã de barrar dois de seus inspetores.
O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, cuja presença em um encontro sobre desarmamento global havia sido confirmada na última segunda-feira pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, não participará mais do evento. Ele tinha sido o único chefe de Estado a confirmar presença.