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Ódio a muçulmanos aumenta nos EUA

Crimes contra os seguidores de Maomé alertam ativistas. Especialistas veem o uso eleitoral da intolerância religiosa e admitem islamofobia

Parte da reputação dos muçulmanos junto à opinião pública nos Estados Unidos ruiu com as Torres Gêmeas do World Trade Center, nove anos atrás. De acordo com uma recente pesquisa divulgada pelo Pew Research Center, apenas 30% dos norte-americanos têm uma visão favorável ao islã ; uma queda de 11 pontos percentuais em relação a 2005. Por outro lado, o índice de pessoas que se opõem à crença aumentou de 36% para 38% nos últimos cinco anos. Uma desconfiança que tem colocado a vida dos seguidores de Maomé e Alá em perigo. Em 24 de agosto, o taxista bengali Ahmed Sharif quase teve o pescoço arrancado por Michael Enright. O ataque teria sido motivado pela resposta de Ahmed à pergunta sobre se ele é muçulmano: ;As-salaam alaikum; (A paz esteja convosco, em árabe). O FBI, a polícia federal dos EUA, investiga atos de vandalismo contra mesquitas nas cidades de Arlington, no Texas; Murfreesboro, no Tennessee; Madera, na Califórnia; e Waterport, em Nova York. Os crimes contra muçulmanos e as ofensas ao islã tornaram-se mais frequentes após a divulgação do projeto de um centro islâmico que deve ser construído a apenas duas quadras do Marco Zero, em Nova York. ;Desde o 11 de setembro de 2001, os norte-americanos questionam o islã, incluindo como os líderes religiosos e estudiosos muçulmanos lidam com temas ligados à violência e ao terrorismo. Se todos assumíssemos que o islã é uma religião pacífica, não deveríamos tolerar clérigos que abusam da religião para apoiar extremistas à guida da jihad (guerra santa);, afirma ao Correio, por e-mail, o francês Jean-Charles Brisard, advogado de familiares das vítimas dos atentados contra o World Trade Center e autor do relatório O ambiente econômico de Osama bin Laden. Para o especialista, protestos pacíficos contra o fato de uma mesquita ser erguida perto do Marco Zero são compreensíveis. ;O local deveria ser deixado livre de qualquer referência religiosa, política ou ideológica e se reservar à memória daqueles que pereceram em 11 de setembro;, afirma. Brisard, no entanto, diz que a queima do Corão seria uma iniciativa intolerável e extremista. ;Atacar o coração do islã poderia ter graves consequências e um impacto de magnitude jamais vista, nem mesmo à época da divulgação do livro Versos satânicos (de Salman Rushdie) e das caricaturas do profeta Maomé;, acrescenta. Andrew Beacham, líder do Movimento Tea Party, explica por que rasgou o Corão diante da Casa Branca Um dos mais renomados intelectuais muçulmanos e professor de relações internacionais da Universidade de Delaware (em Newark), o indiano Muqtedar Khan garante: ;Nunca presenciei um nível tão alto de islamofobia como agora nos EUA;. Segundo ele, a principal razão para essa tendência é o sentimento antimuçulmanos fomentado pelos republicanos e por ativistas do Movimento Tea Party, criado em 2009 por conservadores. ;O ex-deputado New Gingrich e a ex-vice-presidenciável Sarah Palin abasteceram de combustível o fogo que estava limitado a grupos marginalizados;, afirma Khan. Ele vê os protestos contra mesquitas como um esforço concentrado da ala republicana para transformar a retórica antimuçulmanos em retórica de campanha eleitoral. ;Estão criando um banco de votos. O investimento no ódio pode sair pela culatra se eles forem incapazes de fazer retroceder as flechas que estão lançando sobre a cultura da tolerância religiosa na América;, adverte. Nihad Awad, diretor executivo do Conselho sobre Relações Americano-Islâmicas (Cair) Às 11h30 de ontem (12h30 em Brasília), representantes do Movimento Tea Party rasgaram o Corão diante da Casa Branca. Andrew Beacham, líder do grupo em Indiana, foi fotografado por agências de notícias com uma página do livro sagrado nas mãos. Em entrevista ao Correio, por telefone, ele defendeu seu ato. ;Esse protesto foi dirigido contra o presidente Barack Obama, que tem se oposto à fé cristã e denunciado a liberdade de expressão em meu país. É um meio de contrariamos a sharia (lei islâmica), mas também de negarmos sua fé no cristianismo;, afirmou. Segundo o ativista, passagens do Corão incitam a decapitação de infiéis. ;É um livro muito violento, e o próprio Maomé era muito violento;, criticou. Beacham não teme reações extremas por parte de muçulmanos. ;Se são seguidores de uma religião pacífica, por que teríamos medo deles?;, provocou. Dilema O homem que entrevistou militantes de Bin Laden e escreveu o livro Por dentro da Al-Qaeda: rede global de terror vê os EUA em um grave dilema. Segundo o cingalês Rohan Gunaratna, a objeção da Casa Branca ou resistência da opinião pública à construção do centro islâmico em Nova York será um prato cheio para os terroristas. ;Essa decisão acabará explorada pelos extremistas para mostrarem que a América é contrário ao islã e aos muçulmanos;, alerta o escritor.