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Mesmo sem queima do Corão, guerra santa deverá se intensificar

Antes que uma multidão tomasse conta do Marco Zero para chorar e depositar flores nos espelhos d;água que marcam o local das Torres Gêmeas, o pastor norte-americano Terry Jones tentava mais uma vez atrair a atenção da imprensa internacional. Já em Nova York, onde desembarcou na noite de sexta-feira, o líder da pequena igreja Dove World Outreach Center (de Gainesville, Flórida) garantiu que abandonou o polêmico projeto de queimar 200 exemplares do Corão. ;Definitivamente, não queimaremos o Corão, não;, assegurou à emissora NBC. ;Nem hoje e nem nunca;, insistiu. Até o fechamento desta edição, Jones não havia recebido uma resposta sobre a esperada reunião com o imã Feisal Abdul Rauf, responsável pelo plano de construir um centro islâmico a apenas duas quadras do Marco Zero. Mas o recuo na profanação ao livro sagrado do islã já teria provocado danos irreversíveis. Em entrevista ao Correio, por telefone, o xeque Omar Bakri Mohammed ; líder do grupo islâmico Al-Muhajiroun (Os Migrantes, em árabe) e um dos porta-vozes da rede Al-Qaeda na Europa ; adverte: ;Jones descreve o islã como uma religião do demônio e classifica a palavra de Deus como a palavra de Satanás, e isso será usado para recrutarmos mais pessoas em nossa campanha contra a ocupação norte-americana no Iraque e no Afeganistão;. Ele garante que o mundo assiste a uma guerra ;contínua e ininterrupta; contra o islã. ;Os muçulmanos devem se levantar e lutar, unidos, contra os invasores;, conclamou. Xeque Omar Bakri Mohammed, líder da facção Al-Muhajiroun e porta-voz de Bin Laden na Europa, diz que Al-Qaeda ficará mais forte Segundo Bakri, o pastor de Gainesville causou um grave dano. ;Ele justificou ataques contra interesses ao redor do mundo e, ao ofender bilhões de pessoas, fez com que o ódio se espalhasse;, alertou. ;Nós assistiremos a vários recrutas se alistando à Al-Qaeda, que é hoje a raiz da fé muçulmana;, acrescentou. O clérigo radical exilado em Trípoli (Líbano) sustenta que Jones ;abriu os olhos de vários muçulmanos;. Bakri também acusou o religioso de forçar debates ofensivos sobre o templo islâmico que será construído em Manhattan, perto do local do World Trade Center. ;As pessoas já começam a pôr em xeque a santidade de nossa mesquita sobre o Marco Zero;, disse. Em chamas Após ativistas do Movimento Tea Party rasgarem páginas do Corão diante da Casa Branca (leia na página 23), o britânico Anjem Choudary ; ex-líder da facção islâmica Islam4UK (banida no Reino Unido) ; cumpria sua promessa e queimava a bandeira dos EUA. O protesto, às portas da embaixada norte-americana em Londres, mobilizou centenas de pessoas. Os muçulmanos convocados por Choudary gritaram palavras de ordem, como ;Morte à América; e ;Sharia para a América;. ;Conseguimos transmitir a mensagem simbólica da lei do profeta Maomé;, disse Choudary à reportagem, por telefone. ;A mesma Constituição que permitiu aos EUA desejarem queimar o Corão é a mesma lei que os possibilita proibir a burca e violar os direitos humanos;, acrescentou, admitindo que o gesto de Jones é um ;fator radicalizador;. ;Eu acredito que as pessoas defenderão o Corão do modo como puderem, e isso inclui operações de jihad (guerra santa;, observou. Anjem Choudary, ex-líder do grupo islâmico Islam4UK, banido do Reino Unido, alerta para radicalização de muçulmanos O Afeganistão voltou ontem a ser palco de protestos contra a ideia de profanar as escrituras islâmicas. ;Morte à América;, gritavam ontem 10 mil muçulmanos de Pul-i-Alam, capital da província de Logar, ao sul de Cabul. As manifestações começaram pacíficas, mas acabaram com lojas em chamas e com a invasão de prédios do governo. Pelo menos três pessoas ficaram feridas. Pelo segundo dia consecutivo, os afegãos também saíram às ruas da província de Badakhshan, no norte do país. A atitude de Jones também repercutiu negativamente na África do Sul. O empresário Mohamed Vawda pretendia ontem celebrar o ;Dia da Queima da Bíblia;, mas foi proibido por um tribunal de Johannesburgo. ;A ameaça do pastor Jones me incitou a tomar esta decisão;, disse Vawda ao jornal Saturday Star. ;Sua atitude me enojou e me ofendeu. Minhas ações são dirigidas contra ele. Eu queria detê-lo. Ele nem sequer ouve o próprio presidente;, acrescentou, justificando o desejo de fazer uma fogueira com Bíblias em uma movimentada praça da cidade.