O presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, deixaram o Departamento de Estado, em Washington, com data certa para um reencontro, que deverá ter menos holofotes e mais desafios. O ceticismo dos dois lados, citado pela secretária de Estado Hillary Clinton, certamente levará de mais do que 10 dias para se dissipar ; o que vai depender, principalmente, da disposição de israelenses e palestinos em ceder. Apesar das dificuldades, o presidente Barack Obama disse que viu uma ;busca genuína e sincera; pela paz em ambos os líderes, que assumiram o compromisso de continuar se reunindo a cada duas semanas após o encontro do próximo dia 14, a ser realizado ;na região;.
De acordo com o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, Obama conhece as diferenças ;muito profundas; que atrapalham o diálogo entre palestinos e israelenses, mas acredita no futuro das negociações. ;Não negociar, sim, seria um fracasso;, disse Gibbs. Hillary, por sua vez, apostou no sucesso das conversas e assegurou que Washington continuará apoiando o processo, sem ;impor uma solução;: ;Só vocês podem tomar as decisões necessárias para alcançar um acordo e garantir um futuro seguro para palestinos e israelenses.;
Em entrevista coletiva após uma das várias reuniões de ontem, o enviado de Obama para o Oriente Médio, George Mit-chell, afirmou que os dois líderes concordam sobre a possibilidade de fechar um acordo no prazo de um ano, bem como sobre a ;solução de dois Estados para dois povos;, que garanta a soberania palestina e a segurança de Israel. ;As duas partes acertaram que o próximo passo lógico seria começar a trabalhar para conseguir um acordo que determine um status permanente. E comprometeram-se a criar uma atmosfera de confiança;, acrescentou.
Netanyahu e Abbas participaram de uma série de encontros no Departamento de Estado: primeiro com suas delegações e a dos EUA, depois só com Hillary e Mitchell, e por último uma reunião privada só entre os dois líderes. Neles, foram abordados assuntos centrais que fizeram fracassar durante décadas as tentativas de paz, como as fronteiras do Estado palestino, o direito de retorno dos refugiados e o estatuto de Jerusalém.
Abbas, contudo, voltou a destacar que Israel deve acabar com a colonização e suspender o embargo a Gaza. E Netanyahu afirmou que ;a segurança é a base da paz;, em referência à alegada ameaça que representa, para a população israelense, o Hamas à frente da Faixa de Gaza. Os dois, entretanto, acordaram que o caminho será ;difícil;, e condenaram a violência dos extremistas, que pretendem atrapalhar as negociações. ;Consideramos que a segurança é essencial para nós. E não podemos deixar que ninguém faça nada que possa miná-la;, disse Abbas.
Obstáculos
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, as barreiras para o diálogo são claras e não serão superadas facilmente. Para o cientista político da Universidade do Cairo Mostafa Elwi Saif, que é membro da Shura (;conselho;, em árabe, câmara alta do Parlamento egípcio), o maior obstáculo agora é a eventual retomada das atividades dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. ;Acabar com o congelamento será uma desvantagem para os palestinos, que não devem aceitar isso;, avalia.
O colunista do Jerusalem Post Amotz Asa-El, por sua vez, acredita que o principal problema é que ;Abbas não representa o Hamas(1) e não tem qualquer impacto na Faixa de Gaza;. Para o especialista israelense, a decisão de Netanyahu de suspender a moratória nas colônias não deve ser encarada como problema, por ser uma ;tática de negociação;. ;Se as conversas avançarem, o congelamento deve ser renovado;, arrisca.
1 - Frente da rejeição
Treze grupos armados palestinos, entre eles o braço armado do Hamas, anunciaram que vão lançar ações coordenadas contra Israel. O porta-voz das Brigadas Ezzedine Al-Qassam (braço armado do Hamas), Abu Obeidah, afirmou que um centro será criado ;para as operações contra o inimigo;. O porta-voz disse que o grupo está ;pronto para atacar o inimigo sionista em todo lugar e a qualquer momento;, e admitiu a possibilidade de lançar foguetes sobre Telavive a partir de Gaza.
A primeira vez
Completa 17 anos no próximo dia 13 o histórico aperto de mãos trocado na Casa Branca entre o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, e o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat. Para que o tabu fosse quebrado, o presidente Bill Clinton teve de dar um empurrão ; físico, literalmente ; e aproximar as mãos dos dois rivais. O primeiro Acordo de Oslo, assinado na ocasião, previa a conclusão do processo em cinco anos, com a fundação do Estado palestino.
Análise da notícia
O tempo de cada um
Diante do prazo estipulado pelo Quarteto para o Oriente Médio para que israelenses e palestinos cheguem a um acordo, Mahmud Abbas declarou: ;Um ano é muito tempo;. O próprio Abbas é quem tem o tempo como inimigo, na atual conjuntura da região. Com o mandato esticado por sucessivos adiamentos das eleições da AP, Abu Mazen, como é preferencialmente chamado pelos árabes, vê sua influência entre os palestinos diminuir gradualmente, assim como a chance de reunificar a Cisjordânia e Gaza sob um só governo.
O endurecimento do Hamas ; em resposta à retomada do diálogo entre a AP e Israel, após 20 meses ;, evidenciado por um ataque que deixou quatro israelenses mortos, na última terça-feira, fere ainda mais a autoridade de um Abbas já desgastado. Há mais de cinco anos, com a morte do patriarca Yasser Arafat, ele assumiu a difícil tarefa de conduzir ao fim o processo de paz. Sem o carisma do antecessor, Abu Mazen se equilibra entre a necessidade diplomática de condenar a violência do Hamas e a de manter pontes para a reconciliação com os extremistas, que controlam Gaza.
O presidente da AP tem apenas uma parte dos palestinos ao seu lado, mas responde por todos eles diante de Israel, dos Estados Unidos e do mundo. Precisa cobrar de Banjamin Netanyahu um compromisso palpável com o Estado palestino, de preferência com um prazo visível no horizonte, mas nenhuma contrapartida que possa oferecer tem aval do Hamas.
Para o premiê israelense, o tempo corre no sentido oposto. Protelar a conclusão de um acordo significa poupar-se de colocar em prática concessões inaceitáveis para os setores mais à direita de sua maioria parlamentar ; o que poderia resultar em eleições antecipadas ou na composição de uma nova coalizão de governo. (IF)