Jornal Correio Braziliense

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Ativistas alertam sobre iminência da execução de condenada a apedrejamento

Prisioneira aceita oferta de asilo feita por Lula

;Eu agora estou quieta e triste, porque parte de meu coração está congelado. (;) Estou com medo de morrer. Ajude-me a permanecer viva e abrace minhas crianças.; A carta chegou às mãos de Mina Ahadi, fundadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento, no fim do mês passado. Foi escrita dentro da cela número 4, no bloco 8 da prisão de Tabriz, cidade situada a noroeste de Teerã. Sua autora, a também iraniana Sakineh Ashtiani (leia o Personagem da notícia), se vê cada vez mais perto da forca ou do apedrejamento. A esperança dessa mãe de 44 anos tem se esvaído nos últimos dias, principalmente depois que o advogado, Mohammed Mostafaei, fugiu do Irã e se refugiou na Turquia. E após Mossadegh Kahnemoui, um alto funcionário do Judiciário iraniano, confirmar que a acusada de adultério também foi considerada culpada de conspiração para assassinar o próprio marido.

Durante audiência no Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, em Genebra, Mossadegh indicou que o homicídio também é passível de pena capital em seu país. ;O caso dela está sendo processado e nada ainda foi decidido;, garantiu, após ser interpelado por membros do organismo. E lembrou: ;Essa senhora, além do duplo adultério, é considerada culpada por planejar a morte do marido;. Em entrevista ao Correio, por e-mail, a própria Mina Ahadi refutou a acusação. ;Temos documentos que comprovam que o indiciamento de Sakineh foi por adultério. Diante da atenção internacional sobre o caso, as autoridades iranianas agora alegam que ela matou o marido. Pretendem desacreditá-la;, explicou a ativista que refugiou-se na Alemanha, após o próprio marido ser executado, logo após a Revolução Iraniana.

Exilada em Londres, a ativista iraniana Maryam Namazie ; porta-voz do movimento Solidariedade ao Irã ; teve a mesma reação de incredulidade. ;A acusação de assassinato faz parte da propaganda do regime islâmico. Sakineh foi absolvida de ter assassinado o marido. As autoridades afirmam isso agora por causa do clamor contra a sentença de apedrejamento;, desabafou, também por e-mail. Maryam contou à reportagem que Sajad e Saideh visitaram ontem a mãe em Tabriz. ;A senhora (Sakineh) Ashtiani disse hoje (ontem) que está grata pela oferta feita pelo presidente brasileiro, (Luiz Inácio) Lula da Silva, e que ela aceita a oferta;, relatou. ;As autoridades a interrogaram sobre supostos contatos com jornalistas;, acrescentou Maryam.

Advogado
Em Nova York, a iraniana Lily Mazahery ; uma renomada ativista e advogada de perseguidos pelo regime de Teerã ; duvida de uma reviravolta no destino de Sakineh. ;Eles executarão Ashtiani. Com a fuga de seu defensor, Mohammed Mostafaei, para a Turquia, a situação dela piorou. Para as autoridades iranianas, isso tornou o caso político;, comentou ao Correio. Lily e Mostafaei são amigos de longa data. Talvez por isso, ela prefere não analisar as consequências da atitude do advogado. ;Trabalhamos em vários casos juntos. Ele foi um profissional dedicado, quando defendeu as crianças do Irã que estavam no corredor da morte;, assegurou. Em 2006, ambos salvaram a vida de Malak Ghorbani, uma iraniana de 34 anos sentenciada ao apedrejamento, também sob a acusação de adultério.

A reportagem tentou entrar em contato com Mostafaei durante todo o dia de ontem, mas o celular dele estava desligado. O advogado é mantido sob custódia das autoridades turcas, em Ancara, após ser detido com o passaporte irregular. O ativista Shadi Sadr conseguiu falar com Mostafaei na última quarta-feira. ;Ele foi tratado pela polícia turca e foi ameaçado de que eles podem mandá-lo de volta ao Irã;, afirmou ao jornal britânico The Guardian.

Personagem da notícia
Sakineh, a viúva ;adúltera;


Sakineh Mohammadi Ashtiani tem 44 anos e é mãe do casal Sajad, 22, e Saideh,17. A família vivia na cidade de Tabriz, 528km a noroeste de Teerã. Em 2006, Sakineh teria mantido relações ;ilícitas; com dois homens, após a morte do marido. Julgada em 15 de maio de 2006 por uma Corte local, foi considerada culpada de adultério e sentenciada a 99 chibatadas. A pena foi executada na presença de Sajad. ;As autoridades perguntaram se eu gostaria de esperar do lado de fora. Eu disse ;não;. Eu não poderia deixar minha mãe sozinha;, disse o rapaz, em entrevista à TV CNN.

Em setembro de 2006, o caso voltou a ser apreciado por outro tribunal, que julgava um dos dois supostos amantes de Sakineh pelo suposto envolvimento na morte do marido dela. O júri condenou-a ao apedrejamento, pelo mesmo crime de adultério ; que, segundo o Judiciário, teria sido cometido quando ela ainda era casada. A Suprema Corte do Irã confirmou a sentença em 27 de maio de 2007 e, no mês passado, comutou a pena para o enforcamento. (RC)


Análise da notícia
Piedade zero


Ainda que ante a ONU o Irã jure que o caso Sakineh Ashtiani ainda está passível de uma decisão, as recentes articulações da Justiça iraniana sugerem que a execução parece ser uma questão de dias. É típico do regime dos aiatolás não esmorecer em questões relacionadas aos direitos humanos. A concessão de perdão a uma condenada seria dar à sharia (lei islâmica) uma flexibilidade que não lhe é inata, abrindo precedentes para outros gestos de misericórdia. No âmbito político, seria o mesmo que Teerã curvar-se aos apelos do Ocidente, justo no momento de crise provocada por seu programa nuclear controverso.

Apesar de a Corte iraniana ter comutado a pena de apedrejamento para enforcamento ; o que não diminui em nada o drama de Sakineh ;, o tribunal da província do Azerbaijão do Leste agora a acusa de assassinar o próprio marido. Ativistas veem uma intensificação da postura linha-dura do regime. O sistema judicial do Irã também se tornou mais conservador, depois que o aiatolá Ali Khamenei apontou o clérigo Sadegh Larinjani para a chefia da Suprema Corte. Larinjani é conhecido pelo pouco respeito aos direitos humanos. A intervenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao oferecer asilo a Sakineh, já estaria fadada ao fracasso. O destino da iraniana de 44 anos já parece tragicamente traçado. (RC)