O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, que passa a faixa no próximo dia 7 para o sucessor (e aliado) Juan Manuel Santos, não esperou a abertura de uma reunião de chanceleres sul-americanos para colocar mais lenha na fogueira da crise diplomática entre seu país e a Venezuela ; motivada por denúncia de Bogotá sobre a presença de guerrilheiros colombianos em território do país vizinho. Em nota oficial, Uribe atacou de frente a posição do colega Luiz Inácio Lula da Silva quanto à disputa.
;O presidente da República deplora que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, com quem cultivamos as melhores relações, se refira a nossa situação com a República Bolivariana da Venezuela como se fosse um caso de assunto pessoal e desconhece nosso esforço para buscar soluções através do diálogo;, diz o texto. O porta-voz do Planalto, Marcelo Baumbach, respondeu esclarecendo que Lula ;tomou conhecimento; das declarações, mas não achou ;apropriado; retrucá-las. ;Ele (Lula) declarou que lamenta a situação que se criou entre Colômbia e Venezuela;, completou Baumbach.
O mais recente atrito entre Uribe e o venezuelano Hugo Chávez foi o pivô de mais uma reunião extraordinária de chanceleres da Unasul, em Quito, no Equador. No ano passado, a Colômbia atuou na defensiva para justificar um acordo pelo qual tropas americanas terão direito a operar em sete bases militares em seu território. O chanceler Jaime Bermúdez, um dos oito que foram à capital equatoriana, partiu para o ataque: pediu ;soluções concretas; para resolver o suposto abrigo dado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) por Hugo Chávez. O ataque respingou em Lula, que na véspera havia pedido ;paciência; até a posse de Santos e ponderado que o conflito entre os dois vizinhos, até o momento, é ;verbal;. O tom do presidente brasileiro incomodou Uribe, que ao longo de oito anos manteve uma relação publicamente fluida com o colega brasileiro ; que, em mais de uma ocasião, agiu como reconciliador entre Caracas e Bogotá.
O chanceler brasileiro, Celso Amorim, que retorna de viagem à África e ao Oriente Médio, foi um dos que não compareceram a Quito ; foi representado pelo secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota. O próprio secretário-geral da Unasul, o ex-presidente argentino Nestor Kirchner, não compareceu ao evento, embora tenha se apresentado para visitar as duas capitais para promover o reatamento. A falta do dirigente do bloco foi apontada pelo chanceler colombiano como um dos indicadores de que a reunião dificilmente teria sucesso. ;Primeiro, porque vários chanceleres enviaram seus vices; segundo, porque não vem o secretário da Unasul; e terceiro, porque outros chanceleres consideram que não há ambiente para obter resultados;, afirmou Bermúdez.
A proposta colombiana de conseguir um compromisso concreto dos governos da região para rechaçar ativamente as Farc não saiu da reunião a portas fechadas. A delegação enviada por Uribe também rejeitou a sugestão venezuelana para um ;plano de paz;, que incluía a tentativa de abranger na discussão o convênio militar da Colômbia com os EUA. Bermúdez classificou a fórmula como ;uma afronta à soberania; colombiana. ;Um verdadeiro plano de paz passa por perseguir os criminosos e não lhes permitir a presença em nenhuma parte;, argumentou. O chanceler colombiano destacou que as evidências sobre a presença guerrilheira na Venezuela ;são incontestáveis;, e que ;tudo isso pode ser verificado por satélite;.
O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, que antes do encontro teve atrito (1) com jornalistas colombianos, rebateu as denúncias: ;São infâmias, manipulações e mentiras contra a integridade da Venezuela, de suas instituições e do presidente Chávez;. Garantiu que o país exerce ;plena soberania sobre os 2.219 km de fronteira;. Maduro ainda acusou Uribe de ;criar uma guerra interna, ameaçar os vizinhos e abandonar seu território;.
1 - Socos e pontapés
Jornalistas colombianos e seguranças do ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, saíram no tapa ontem nos bastidores da reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). A briga começou quando alguns repórteres tentaram se aproximar de Maduro na tentativa de entrevistá-lo. Os guarda-costas afastaram o grupo para dar passagem ao ministro. O empurra-empurra foi substituído pela troca de socos e de pontapés. Os jornalistas reclamaram a Maduro, que garantiu não ter seguranças para o evento. O chanceler se indispôs com um repórter que lhe perguntou se a Venezuela já tinha revisado os lugares indicados por Bogotá onde estariam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). ;Verificamos que o governo da Colômbia agride permanentemente seus vizinhos;, retrucou Maduro.
Entenda o caso
Denúncia sobre as Farc causou ruptura
O conflito diplomático entre Colômbia e Venezuela começou há exatamente duas semanas, na sexta-feira 16 de julho, quando o presidente Álvaro Uribe anunciou que seu governo apresentaria formalmente à Organização dos Estados Americanos (OEA) uma denúncia contra o vizinho por supostamente ignorar ; e até proteger ; acampamentos dos movimentos guerrilheiros colombianos Farc e ELN. A acusação, em seus termos gerais, vinha sendo reiterada ao longo dos anos, com maior intensidade nos últimos meses. Desta vez, porém, Uribe prometeu apresentar ;provas documentais;.
Na reunião da OEA, no último dia 22, o representante de Bogotá no organismo exibiu imagens de satélite acopladas a mapas e coordenadas geográficas supostamente determinadas por GPS. O material demonstraria, segundo o embaixador Luis Alfonso Hoyos, a localização de 87 acampamentos rebeldes do lado venezuelano da fronteira. Algumas fotos, sem registro de data, mostravam conhecidos comandantes guerrilheiros, como Iván Márquez, das Farc, em praias e outras localidades apontadas como venezuelanas.
A reação não se fez esperar: horas depois, Chávez anunciou o ;rompimento de todas as relações com o governo colombiano;. Posando ao lado do ex-craque argentino Diego Maradona, o presidente venezuelano chamou o colega de ;doente; e acusou-o de tentar ;provocar uma guerra;. Os embaixadores de ambos os países já tinham sido convocados às respectivas capitais, para consultas, mas Caracas deu prazo de 72 horas aos demais diplomatas colombianos para que deixassem o país.
Igualmente prontas foram as reações na vizinhança. No dia seguinte, a pedido da Venezuela, o presidente do Equador, Rafael Correa, que preside temporariamente a Unasul, convocou os chanceleres do bloco a Quito. O secretário-geral do organismo, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, anunciou planos de visitar Caracas e Bogotá na próxima semana, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou para confirmar uma escala na Venezuela antes de ir à posse do novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, no próximo dia 7.