Uma manifestação de paz que começou na Berlim de 1989 e se converteu em um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo, reunindo milhares de jovens, terminou em um domingo de dor e luto sem fronteiras. Cerca de 1,5 milhão de pessoas entre 20 e 40 anos de idade se reuniram no sábado para a Love Parade (Desfile do Amor, em inglês), realizada no oeste da Alemanha, na cidade de Duisburg. Um empurra-empurra para entrar na festa ; que tinha um túnel como única forma de acesso ; provocou a morte de pelo menos 19 jovens. Entre eles, duas estudantes espanholas, um chinês, um australiano, um italiano e um holandês morreram no tumulto. A polícia de Duisburg informou ao Correio, por telefone, que não havia brasileiros entre as vítimas. No entanto, as fontes policiais não descartam que haja brasileiros entre os 340 feridos, pois o evento reuniu, em sua maioria, jovens do Brasil, da Espanha, da Holanda e da Austrália. O policial Detlef von Schmeling detalhou que ;quatorze pessoas morreram nos degraus de metal na saída do túnel e duas, numa parede fora do túnel;.
O organizador do festival, Rainer Schaller, decidiu que nunca mais o evento será realizado. Schaller disse ontem em coletiva de imprensa que não consegue expressar o choque que sentiu com a tragédia. ;Nossa vontade de reunir a alegria foi obscurecida pelo trágico incidente de 24 de julho. Portanto, estamos terminando com a Love Parade;, anunciou a equipe do festival em sua página na internet. Por outro lado, o DJ Dr. Motte, criador da festa, culpou a organização do evento. ;Só querem saber de ganhar dinheiro; os organizadores não mostraram o menor sentimento de responsabilidade pelas pessoas.; Ele considerou um escândalo haver apenas uma entrada para um evento que atrai multidões.
As autoridades agora investigam as razões da tragédia. A principal hipótese se concentra nas condições de segurança de um túnel de 200m de extensão e 30m de largura, única via para entrar e sair do festival realizado em uma antiga estação de trens de carga. ;As pessoas na rua estão chateadas e tristes. Querem responsáveis. Não pode ser que nos culpem por empurrar e sentir pânico! O calor, o cansaço, a multidão, a sede e o álcool ; tudo junto pode ser muito perigoso;, protestou a espanhola Rebeca Sánchez, que era uma das participantes da festa, ao jornal El País.
Plano de segurança
O prefeito de Duisburg, Adolf Sauerland, afirmou que um plano de segurança havia sido estabelecido antes do evento e considerou que era ainda muito cedo para culpar qualquer pessoa pelo incidente. A chanceler alemã, Angela Merkel, enviou suas condolências às famílias e aos amigos das vítimas. ;Jovens vieram para a festa, para se divertir. Em vez disso, houve morte e ferimentos. Estou horrorizada e triste;, disse ela.
Aproximadamente 1,4 mil policiais estavam presentes no local. Segundo a polícia, a área foi fechada ao atingir a superlotação, e quem tentava chegar ao local era orientado com megafones a dar meia-volta. Durante mais de uma hora, o túnel ficou abarrotado com pessoas que tentavam obedecer às ordens da polícia e voltar, jovens agressivos que empurravam os demais ou tentavam saltar as valas externas do túnel, além de outro grupo, que tentava escapar do sufoco escalando as valas para sair do túnel. O chefe de polícia, Rainer Wendt, disse ao jornal alemão Bild que a instituição já tinha avisado há cerca de um ano que a cidade de Duisburg ;era muito pequena para lidar com grandes massas de pessoas;.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, dezenas de ambulâncias e nove helicópteros participaram da ação de resgate. Depois do incidente, a organização abriu as saídas de emergência, mas decidiu continuar a festa. ;Poderia ter acontecido um desastre maior se tivessem interrompido tudo repentinamente;, explicou o porta-voz da cidade, Frank Kopatschek. Por volta das 21h, o fim da festa foi anunciado, e a multidão se dispersou lentamente, sem saber que o ;Desfile do Amor; tinha acabado em morte. Ontem, ao fim da missa dominical, o papa Bento 16, que é alemão, lamentou o incidente. ;Lembro na oração os jovens que perderam a vida;, afirmou.
Em Brasília, nunca houve tumultos
Gisela Cabral
Embora tenha sido criada na Alemanha, a festa de música eletrônica Love Parade acabou sendo copiada por outros países do mundo, entre eles, o Brasil. Em Brasília, por exemplo, os moldes da celebração europeia foram reproduzidos na Love, a Festa do Amor, evento fechado que chegou a reunir 15 mil pessoas em uma de suas últimas edições. Segundo Akira Sasaki, organizador da festa por 10 anos, a última edição ocorreu em 2008. ;A nossa Love celebrava a paz e a diversidade de públicos ao som da música eletrônica. Ao longo desse tempo não tivemos problemas. Prezamos sempre pela organização e pela estrutura de qualidade;, afirma.
Na opinião do organizador, o incidente que culminou na morte de pelo menos 19 pessoas na Alemanha é lamentável. ;Provavelmente tenha faltado organização. No nosso caso, quando vimos que a festa estava crescendo, mudamos de lugar. De uma mansão fomos para um clube, depois para o autódromo e até para a área externa de um estádio. As normas de segurança precisam ser respeitadas;, destaca. Para ele, a música eletrônica não incita a violência. ;Muito pelo contrário, as festas em geral são muito tranquilas. O lema é a paz e a junção de várias tribos num mesmo lugar;, enfatiza.
A Love brasiliense, conforme Sasaki, seguia os mesmos moldes da festa alemã, apesar de ser particular. ;Os mesmos estilos de música e o uso de trios elétricos;, diz. Apesar do anúncio do fim da festa pelos organizadores na Alemanha, ontem, Sasaki acha difícil que o evento acabe para sempre. ;Pode ser que o nome seja mudado. Acho difícil, pois é uma celebração de rua tradicional, assim como o carnaval no Brasil;, finaliza.