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Venezuelanos divididos sobre exumação de restos de Bolívar, seu maior símbolo nacional

A exumação de Simón Bolívar gera reações divergentes na Venezuela, onde especialistas acreditam que não se deva a razões científicas, mas ao "capricho" do presidente Hugo Chávez, enquanto adeptos do governo a veem como um processo que honra a memória do Libertador.

Certificar que os restos enterrados no Panteão de Caracas pertencem a Bolívar, estudar as causas de sua morte em 1830 e preservar melhor sua ossada são os objetivos do governo nesta inesperada exumação, realizada na sexta-feira passada. "Levei vários anos pensando nisso. Quando era cadete e montava guarda, parado ali ao lado do sarcófago, perguntava: ;Meu Deus, o que haverá lá dentro? Será que Bolívar está lá? Tinha minhas dúvidas", admitiu Chávez, fervoroso admirador do herói.

Para Blas Bruni Celli, respeitado patologista venezuelano e estudioso da morte do Libertador, "há uma evidência absoluta de que a tuberculose causou a morte de Bolívar" e a autópsia realizada em 1830 pelo seu médico, Alejandro Próspero Reverend, "não deixa nenhuma dúvida" a respeito. "A exumação é algo completamente inútil", disse à AFP.

Uma equipe de especialistas, venezuelanos e estrangeiros, examinou durante várias horas o esqueleto do Libertador, cujo sarcófago permanecia fechado desde 1842, e recolheu várias amostras para um estudo cujas conclusões ainda não são conhecidas.

As imagens foram mostradas por Chávez, o que multiplicou as reações a favor e contra os meios de comunicação e fóruns sociais na internet, como o twitter, neste país que professa grande devoção a Bolívar.

"Bolívar é uma figura sagrada, que agora lembraremos não como a imagem das pinturas e das estátuas, mas como esta visão da ossada que dessacralizou o Libertador", disse a psicóloga Mercedes Pulido.

Mas segundo o vice-presidente Elías Jaua, esta investigação, "histórica" e "necessária", se realiza com a maior "seriedade" e respeito para com o Libertador.

Seus resultados "esclarecerão dúvidas de que nosso governo não inventou", explicou.

Para Bruni Celli, não existe a menor possibilidade, vendo o rigoroso processo seguido em 1842, quando Bolívar foi exumado na cidade colombiana de Santa Marta, onde morreu, e levado a Caracas, de que no sarcófago não estivessem seus restos.

"Não há dúvida de que estes ossos que estão no Panteão são os de Bolívar. Vejo uma ignorância muito grande do governo. Nunca deviam ter tocado nestes ossos. Eram algo sagrado, um símbolo", assegurou o patologista, destacando que estavam perfeitamente preservados.

No entanto, segundo Carmen Bohórquez, historiadora e vice-ministra da Cultura, teria sido "irresponsável" que o governo venezuelano não comprovasse cientificamente que os restos pertencem a Bolívar. "Este é um avanço perigosíssimo da reescritura da história da Venezuela e da América Latina que Chávez faz. Ele está mostrando ao povo que é dono de uma das peças fundamentais da memória: o que resta fisicamente de Simón Bolívar", considerou o diretor da Academia Nacional de História, Elías Pino.

O especialista considerou que países como Colômbia, também libertado por Bolívar, poderiam reagir contra a exumação, embora devido à sua complicada relação com a Venezuela, "provavelmente seu governo não tenha querido lançar mais lenha na fogueira". "Um ato desta natureza deve ter uma justificativa, mas aqui a única é o desejo do chefe de Estado", lamentou Pino.

Para o governador opositor do estado de Zulia (oeste), Pablo Pérez, com a exumação, Chávez pretende desviar a atenção dos problemas que castigam os venezuelanos, como a escassez, a violência e o desemprego.

No próximo sábado, quando se celebram os 227 anos de nascimento de Bolívar, seu sepulcro voltará a ser fechado, após colocar sobre o sarcófago uma nova bandeira venezuelana bordada exclusivamente no país.

O governo propõe, ainda, construir em 2011 um novo mausoléu com "ouro e diamantes" para Bolívar.