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Regras mais duras contra a pedofilia

Manual divulgado pelo Vaticano aumenta prescrição de crimes, mas decepciona vítimas

Para quem um dia caiu nas mãos de um padre pedófilo, as medidas anunciadas ontem pelo Vaticano estão longe de ser um consolo. Pelo contrário, causam desapontamento. Com a assinatura do arcebispo norte-americano William Levada ; prefeito da Congregação para Doutrina da Fé ;, o documento com alterações na Normae de gravioribus delictis (Normas sobre crimes mais sérios, pela tradução literal) enumera diretrizes rígidas contra a pedofilia. No entanto, não aborda os casos que mancharam a reputação da Igreja Católica. Além disso, contém brechas importantes: não obriga os sacerdotes a informarem a polícia sobre abusos de que tenham conhecimento e não preveem a imediata expulsão de um suspeito. Também causa surpresa a condenação expressa da ordenação de mulheres, um crime passível de excomunhão imediata.

Por meio de um comunicado, Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, declarou que a ;revisão sistemática; das normas torna mais rápidas a investigação e a punição dos crimes. Segundo o texto, a Santa Sé pode optar por realizar um ;decreto extrajudicial; e, em casos específicos, apresentar ao papa Bento XVI os casos mais graves, para a possível demissão do clérigo. Entre as medidas de maior impacto, estão a elevação da prescrição do delito de abuso sexual de 10 para 20 anos e a introdução do crime de ;pedopornografia; (veja quadro). A violação de adultos com deficiência mental também passa a equivaler a pedofilia.

Por e-mail, Barbara Blaine ; presidenta da Rede de Sobreviventes Abusados por Padres (Snap, pela sigla em inglês) ; não poupou críticas ao documento do Vaticano. ;Essas normas se aplicam apenas depois que um padre predador já causou danos a muitas crianças e terão pouco impacto em tornar a Igreja mais segura;, afirma ao Correio. Ela defende uma mudança de comportamento das autoridades religiosas. ;Essas reformas atuais permitirão aos padres seguirem com seu comportamento dissimulado, colocando a preservação da própria reputação sobre a proteção de crianças inocentes;, acrescenta a norte-americana abusada dezenas de vezes pelo padre de sua paróquia, em 1969, aos 13 anos.

[SAIBAMAIS]Outra vítima de padres pedófilos, o ativista David Clohessy, 53 anos, acredita que o foco do Vaticano precisa ser outro. ;A Santa Sé tem que pegar os padres predadores mais rapidamente, envolver leis seculares e prevenir a imprudência e a omissão dos bispos;, diz à reportagem. ;Até que mesmo um único funcionário da Igreja Católica siga ignorando os crimes sexuais contra crianças, padres continuarão violentando crianças e bispos continuarão escondendo as violações;, comenta. Clohessy exige a ;total revelação e avaliação independente; dos arquivos secretos do Vaticano.

Se as medidas desagradaram aos sobreviventes de abusos, membros da Igreja Católica na Alemanha as elogiaram. ;(As medidas) são um sinal claro em favor de um reconhecimento e punição, sem nenhuma lacuna, para tais crimes;, admitiu o monsenhor Robert Zollitsch, presidente da Conferência Episcopal alemã. ;Este documento é um testemunho incontestável em favor das vítimas e dos crimes cometidos no meio eclesiástico;, concluiu.