No dia em que o Senado norte-americano confirmou a indicação do general David Petraeus para comandar as forças da coalizão internacional no Afeganistão, milicianos talibãs atacaram ontem com carro-bomba e foguetes uma importante base militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Jalalabad. A cidade fica 150km a leste de Cabul, sem maiores obstáculos no caminho. Segundo Josef Blotz, porta-voz da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf), ;vários atacantes foram mortos, mas eles não alcançaram o perímetro de segurança da base;. Vários camicazes teriam participado do ataque, de acordo com Ahmad Zia Abdulzai, porta-voz do governo da província de Nangarhar, cuja capital é Jalalabad, e dois militares da Otan ficaram levemente feridos.
A investida coincidiu também com a visita do procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, primeiro titular do cargo a viajar para o Afeganistão desde a chegada das tropas americanas, em 2001. Em um comunicado, Holder afirmou como prioridades de seu governo ;combater a corrupção e dar apoio ao estado de direito; no país.
Um professor da Universidade de Cabul, que pediu para não ser identificado, disse ao Correio, por telefone, que se trata de uma situação de violência alarmante, ;mas que, infelizmente, é o que acontece todos os dias no Afeganistão há 30 anos;. Para Thomas H. Johnson, diretor do programa de Cultura e Conflitos do Departamento de Segurança Nacional, da Escola de Pós-Graduação Naval dos EUA, o ataque foi como um recado para Petraeus. ;Os talibãs sabem que os americanos e seus aliados estão planejando deixar o país, e podem fazê-lo mais cedo do que muita gente espera;, analisa. ;O ataque possivelmente serviria para acelerar essa saída e demonstrar que eles estão ganhando a guerra.;
O especialista compara o cenário atual do Afeganistão ao da Guerra do Vietnã, nas décadas de 1960 e 1970. ;Não conseguimos reconquistar a confiança dos afegãos e reconhecemos que nosso tempo de permanência no país é limitado;, destaca Johnson. ;A estratégia está falhando e precisamos nos concentrar em ganhar a confiança da população. Mas, depois de nove anos, é algo extremamente difícil de conseguir, porque os afegãos perderam a paciência com as forças dos EUA e da Otan. Não temos sido capazes de garantir a segurança de que eles precisam;, avalia.
Alvo estratégico
Um porta-voz dos talibãs, Zabiullah Mujahid, afirmou à agência de notícias afegã AIP que o comando enviado a Jalalabad, composto por 10 homens, relatou ter matado ou ferido 152 soldados das tropas internacionais e 15 afegãos. Seis militantes teriam morrido e outros quatro teriam conseguido escapar. Mujahid também ressaltou que os talibãs chegaram a assimir o controle do aeroporto e destruíram 13 aeronaves.
Jalalabad é um importante ponto de conexão entre a capital afegã e o Paquistão. Dentro do perímetro do aeroporto de Jalalabad há uma base de tropas americanas que se encarregam da gestão das instalações no sul do país. Para Johson, a escolha do alvo não foi fortuita: ;A maior parte das tropas americanas está no sul do Afeganistão. Com esse último ataque, os talibãs enviam a mensagem de que estão por todo o país;.
Johnson, que esteve várias vezes no Afeganistão, defende que apenas uma pequena porcentagem da população apoia os talibãs. O pesquisador culpa o fracasso dos nove anos de colaboração dos EUA e do governo do presidente Hamid Karzai em reformar o sistema judiciário e atender os anseios dos afegãos, deixando um vazio de poder ocupado pelos talibãs em muitas regiões do país ; como Jalalabad. Outro problema apontado pelo analista é a falta de legitimidade do presidente afegão, acusado de estar envolvido em esquemas de corrupção e ter sido eleito de forma ilegítima. ;A história sugere que nenhuma reforma revolucionária pode ser bem-sucedida sem um parceiro político legítimo;, lamenta.
Confirmação unânime
O Senado norte-americano aprovou ontem por unanimidade a nomeação do general David Petraeus para assumir o comando da coalizão internacional no Afeganistão. Petraeus, que chefiou as forças do país Iraque com uma estratégia considerada bem-sucedida, tinha obtido na véspera a aprovação unânime da comissão de Defesa.
A confirmação de Petraeus encerra o episódio da substituição do general Stanley McChrystal, afastado na semana passada pelo presidente Barack Obama em resposta às críticas que fez ao governo ; sem poupar o chefe de Estado ; em artigo para a revista Rolling Stone. Em seu depoimento à comissão, o indicado tentou passar uma impressão de confiança na vitória em uma guerra a cada dia mais impopular, mas admitiu que espera enfrentar ;combates duros; nos próximos meses. ;Observamos progressos em alguns domínios, em meio ao difícil processo em curso no Afeganistão;, resumiu.
Ainda assim, Petraeus endossou a data ; julho de 2011 ; fixada por Obama paras o início da retirada das tropas americanas do Afeganistão. O general lembrou, porém, que serão necessários ;alguns anos antes que as forças afegãs possam assumir a segurança; do país. As principais preocupações levantadas pelos senadores nos últimos dias estavam relacionadas, justamente a esse ponto. O senador republicano John McCain, derrotado na eleição presidencial de 2008, reiterou a avaliação de que esse prazo ;não apenas é prejudicial, mas irreal;. No entanto, deu ;inteiro apoio; à indicação.
A confirmação do novo comandante foi bem recebida pelos aliados. O ministro britânico da Defesa, Liam Fox, qualificou Petraeus como ;um chefe capaz;. O chefe do Estado Maior paquistanês, general Ashfaq Parvez Kayani, disse que ;a experiência e a competência (do general) seriam apreciadas numa situação complexa; como a do Afeganistão.
Galeria contra
Se no plenário o ;sim; foi uníssono, não faltaram protestos nas galerias do Senado. Pacifistas aproveitaram a sabatina do general David Petraeus na Comissão de Defesa para exibir cartazes contra a presença das tropas americanas no Afeganistão e no Iraque. ;Chega de guerra; e ;parem de financiar a guerra; foram alguns dos lemas escolhidos pelos manifestantes, que também denunciaram a morte de ;um milhão de iraquianos; desde a invasão norte-americana, em 2003. Concluir a missão no Iraque para concentrar esforços no Afeganistão, com o objetivo de igualmente reduzir o contingente americano no país, foi uma das principais bandeiras Barack Obama na campanha vitoriosa pela Casa Branca, em 2008.