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Afinal, o que saiu errado?


Por Alon Ben-Meir

O já infame incidente com a flotilha, que resultou na morte de nove turcos, foi o estopim de um redemoinho de acusações e provocações que colocou as relações entre Israel e Turquia no patamar mais baixo de todos os tempos. O momento não poderia ser pior, justamente quando os dois países lutavam para encontrar denominadores comuns para os estremecimentos que vêm desde a guerra de Gaza. E as conexões políticas entre os dois aliados são muito mais profundas do que a questão do bloqueio israelense a Gaza e das tentativas da Turquia para rompê-lo.

Um dos fatores por trás do comportamento da Turquia é sua posição ascendente no cenário global do pós-11 de setembro. O país tirou grandes benefícios do status de membro da Otan e do G-20. Graças ao acordo alfandegário com a União Europeia, tornou-se uma grande potência exportadora que não depende do mercado norte-americano. Acrescente-se a localização estratégica, fazendo fronteiras com a UE, o Iraque e o Irã, e a condição de única democracia da região além de Israel, além dos recursos militares, e o fato é que a Turquia se vê na posição de exercer substancial influência na vizinhança.

A recusa a liberar para os EUA o espaço aéreo turco, na invasão do Iraque, e a condenação pública de Israel pela incursão em Gaza fez com que a voz do atual partido governante em Ancara ecoasse entre turcos e árabes ; o que coloca em jogo uma nova variedade turca de populismo. A capacidade de atuar como força estabilizadora entre Israel e os árabes, entre o Irã e seus adversários, entre Oriente e Ocidente, coloca a Turquia em uma posição única, porém desde que permaneça no centro entre esses polos. Mas à luz dos acontecimentos recentes, começando pelo incidente da flotilha e culminando com o voto contrário às sanções impostas a Teerã pelo Conselho de Segurança, parece que a Turquia não apenas sobrestimou seu poder na região, mas também pôs em jogo alguns de seus relacionamentos mais críticos.

Israel também falhou em cumprir com as responsabilidades que decorrem dessa aliança estratégica, que pela própria natureza se aplica a todo o Oriente Médio. Não basta estabelecer cooperação no terreno militar sem um entendimento genuíno e recíproco pelas estratégias regionais de cada um. Israel nunca se endereçou à Turquia de maneira abrangente sobre temas como o Irã, não apenas por meio da troca de informações, mas também pela compreensão de que a Turquia faz fronteira com o Irã e o interesse em privilegiar o engajamento em relação ao confronto.

O governo israelense tem agido como se não tivesse contas a prestar para ninguém, como se não dependesse de ninguém, o que resultou em isolamento, especialmente em relação aos turcos. Da perspectiva deles, uma aliança estratégica faz sentido apenas se houver colaboração plena e aberta, e não a mera aceitação da política israelense de criar fatos consumados contrários aos interesses de Ancara. Por fim, Israel investiu pouco em informar a opinião pública da Turquia sobre as disputas com o Hamas, o Hezbollah e outros grupos que perseguem a destruição do Estado judeu. O governo israelense, que já se referiu à Turquia como o parceiro mais importante depois dos Estados Unidos, não se esforçou para oferecer aos turcos informações e relatos alternativos àquilo que a imprensa publicou.

Mas esse fracasso no campo das relações públicas transcende o problema palestino. O que tem colocado Israel na defensiva, especialmente desde a formação do governo de Benjamin Netanyahu (com Avigdor Lieberman como chanceler), é a imagem de intransigente e ;valentão; que o país projeta. Infelizmente, parece que de ambos os lados há espelhos e cortinas de fumaça envolvendo uma sucessão de gafes, mais do que um engajamento construtivo. Netanyahu e Erdogan não se olham nos olhos, mas a despeito disso a aliança estratégica entre os dois países continua sendo sólida e central para a estabilidade e a paz na região. Se Israel quer ser aceito como um aliado que busca a paz, tem de trabalhar com a Turquia e escutar suas queixas legítimas. Da mesma maneira, para que a Turquia preserve seu papel único como potência regional com trânsito em todos as partes, não poderá agir como se Israel fosse dispensável. Do contrário, ambos os países sairão perdedores.

Alon Ben-Meir é professor de relações internacionais da Universidade de Nova York


Receita de segurança
"Israel tem o claro direito de se defender e de proteger sua segurança. A melhor forma de fazer isso é garantir que armas não alcancem Gaza, enquanto se permite a entrada de itens do dia a dia, incluindo materiais para a construção de casas, infraestrutura e serviços, permitindo legitimar a revitalização de negócios"
Tony Blair, ex-premiê britânico e representante do Quarteto


As bases do plano
Principais pontos do projeto proposto pelo premiê Benjamin Netanyahu e aprovado pelo Gabinete de Segurança

Produtos permitidos
Israel autorizará a entrada na Faixa de Gaza de uma nova lista de produtos, que inclui todos os itens alimentícios, brinquedos, artigos de escritório, utensílios de cozinha, colchões e toalhas

Entrada sob supervisão
O comunicado do governo israelense permite o envio de materiais de construção para projetos civis. No entanto, condiciona seu uso à supervisão internacional. Até então, eram proibidos materiais como cimento e aço ; a justificativa era de que o Hamas poderia utilizá-los em armas e fortificações

Proibição mantida
Armas e ;material de guerra; continuarão proibidos de entrar na Faixa de Gaza

Ouça a entrevista com o cientista político norte-americano Stephen Zunes