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A paz encalhou

O aperto de mãos entre o líder palestino Yasser Arafat e o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, representou a esperança de pôr fim ao conflito no Oriente Médio. Foi em 13 de setembro 1993, em Washington, com um ;empurrão; de Bill Clinton. Desde a assinatura dos Acordos de Oslo, o processo de paz sofreu idas e vindas. Em 1999, em Camp David, Clinton quase conseguiu de novo, com Arafat e o premiê Ehud Barak. Nem mesmo o sugestivo ;mapa do caminho;, proposto em 2002 por União Europeia, Rússia, ONU e EUA, reverteu o pessimismo. No entanto, o recente ataque à flotilha humanitária em águas internacionais criou uma nova dinâmica no Oriente Médio.

De saída, pode impulsionar a reconciliação entre o movimento fundamentalista Hamas e o partido nacionalista Fatah. Observadores acreditam que a crise deflagrada pelo incidente e o repúdio mundial ao bloqueio da Faixa de Gaza escondem uma oportunidade para a retomada do diálogo. Os passos simbólicos começaram a ser dados pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Na última quarta-feira, ele recebeu na Casa Branca o colega palestino, Mahmud Abbas. No fim do mês será a vez do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Para especialistas consultados pelo Correio, o segredo para esses encontros saírem da retórica e atingirem resultados concretos está em uma palavra: concessões. ;Quando Netanyahu for a Washington, terá de levar algo com ele;, afirma Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York. ;Bibi (Netanyahu) precisará apresentar progressos em relação às fronteiras e ao alívio da situação na Cisjordânia, mas também terá de fazer arranjos para amenizar o bloqueio a Gaza.;

O palestino Bishara Bahbah, cientista político da Universidade de Harvard, concorda com Ben-Meir, mas não deposita confiança no atual diálogo indireto entre Israel e a Autoridade Palestina, com os EUA de intermediário. ;A composição do atual governo israelense não permite qualquer concessão séria. E a concessão é um ingrediente necessário ao sucesso de qualquer negociação;, afirma. Além disso, Bahbah adverte que a ruptura entre o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Fatah, que governa a Cisjordânia, impede uma posição unificada dos palestinos.

Mas há quem veja as visitas de Abbas e de Netanyahu a Obama como ;um completo desperdício de tempo;. É o caso de George Bisharat, professor de direito internacional da Universidade da Califórnia, filho de um palestino com uma norte-americana. ;Elas não passam de uma charada para desviar a atenção de assuntos reais. Esses encontros permitem a Israel seguir colonizando a Cisjordânia, em violação à lei internacional;, comenta Bisharat. Ele considera ;inocente; a postura da AP: ;Israel não tem qualquer interesse em um acordo. Pelo menos, não até ter consolidado seu controle sobre a maior parte da Cisjordânia e sobre Jerusalém Oriental;.

Desconfiança maior ainda parte do Hamas, acusado por Israel e pelos Estados Unidos de ser uma facção terrorista. Por telefone, Fawzi Barhoum, porta-voz e um dos líderes do movimento extremista islâmico, afirmou ao Correio que o Hamas não aprova os encontros entre os três governantes. ;A Casa Branca dá apoio total a Netanyahu para cometer mais e mais crimes contra os palestinos. Não existe processo de paz, o que existe é uma ocupação;, acusa. Barhoum afirma que Obama quer ;mudar a dinâmica da guerra;, ao fazer propaganda do diálogo. ;Nenhum processo de paz ocorrerá por parte dele ou da autoridade de ocupação;, reafirma.

Flotilha

Na análise de Ben-Meir, a crise provocada pelo ataque à flotilha turca que tentava romper o embargo a Gaza criou outra dimensão no Oriente Médio. ;É uma crise, algo ruim, mas que abrirá oportunidade para progressos. A questão é saber se Israel, os EUA e os palestinos aproveitarão essa chance;, comenta. Bahbah, por sua vez, acredita que o incidente demonstrou a corrupção dos governos árabes e sua inabilidade em desafiar Israel, numa intercessão pelos palestinos. ;O pós-ataque trouxe a emergência da Turquia como ator-chave na região, com uma tremenda popularidade entre os árabes;, explica.

Bloqueio mantido

Com outro navio a caminho da Faixa de Gaza com o propósito declarado de levar ajuda humanitária ; desta vez, uma embarcação iraniana ;, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, rechaçou ontem uma proposta para suspender o bloqueio naval imposto ao território palestino. Reunido com os ministros que integram seu partido, o direitista Likud, Netanyahu acenou com um alívio nas restrições à passagem de carregamentos pelas fronteiras terrestres, mas insistiu na necessidade de evitar que navios se aproximem da costa palestina.

;A chegada de navios diretamente a Gaza é problemática, não apenas para nós, mas para outros também;, disse o premiê israelense. Ele se referia a uma declaração atribuída pela imprensa israelense ao presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas. De acordo com o jornal Haaretz, durante encontro com o presidente Barack Obama, na Casa Branca, Abbas teria se manifestado favorável à manutenção do bloqueio naval, para impedir o fortalecimento do grupo islâmico Hamas, que controla Gaza.

A resposta de Netanyahu na prática sepultou um plano apresentado pelos governos de Espanha, França e Itália para abrir passagem a embarcações com ajuda humanitária destinada à população do território palestino, praticamente isolado há mais de três anos. Segundo a proposta, supervisores europeus baseados na ilha mediterrânea de Chipre fariam a inspeção a carga dos navios. Uma das preocupações é evitar a repetição dos incidentes do fim de maio, quando comandos israelenses abordaram uma flotilha turca, com saldo de nove ativistas mortos em confronto.

Gaza recebeu ontem uma rara visita internacional, do secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Mussa. Ele chegou ao território cercado pelo Egito, que depois do incidente com a flotilha turca decidiu abrir a passagem para a cidade palestina de Rafah. ;Esse bloqueio, que estamos aqui para confrontar, deve ser encerrado. A posição da Liga Árabe é clara;, afirmou Mussa. O dirigente foi recebido por representantes de várias facções palestinas, em especial o Hamas e o partido nacionalista Fatah, de Abbas. Além de condenar o isolamento do território, a organização pan-árabe enviou o secretário-geral a Gaza com a missão de ajudar no difícil processo de reconciliação entre Hamas e Fatah, rompidos desde 2007. Na ocasião, Abbas dissolveu um gabinete palestino liderado pelos extremistas, que não acataram a decisão e tomaram o poder em Gaza, expulsando as forças leais ao presidente da AP.