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O azarão que vingou

O azarão na corrida eleitoral colombiana é filósofo e matemático e atende pelo nome de Antanas Mockus. Candidato do Partido Verde à sucessão de Álvaro Uribe, o ex-prefeito de Bogotá reuniu um discurso de centro-direita, que prega transformações culturais e combate às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e uma postura excêntrica para galopar a passos largos nas pesquisas eleitorais. Ele partiu de um índice tímido de intenções de voto, próximo aos 10%, para a liderança na corrida, disputada palmo a palmo com o governista Juan Manuel Santos.

Descendente de imigrantes lituanos, Mockus reúne características antagônicas. É dono de uma fala mansa, não tem voz potente, mantém uma inusitada barba sem bigode e coleciona histórias curiosas. Já se vestiu de super-herói e também abaixou as calças em um auditório repleto de estudantes. Em contrapartida, carrega no discurso moralizante, de combate à corrupção e às transgressões da lei.

Esse amálgama foi responsável pela maior surpresa das eleições colombianas. O motor do crescimento de Mockus, contudo, veio das redes sociais. Boa parte dos simpatizantes e doadores de campanha foi cooptada via internet, por meio de canais como o Facebook e o Twitter, além do blog oficial da candidatura.

[SAIBAMAIS]Caso as urnas confirmem o que indicam as pesquisas, Mockus irá ao segundo turno em empate técnico com Juan Manuel Santos, mas com ligeira vantagem. Se eleito, o candidato verde promete instituir uma política cidadã. Indica ainda que manterá o alinhamento à política internacional dos Estados Unidos, incluindo os acordos para cessão de bases militares em solo colombiano. Em contrapartida, abre chances claras de reabrir o diálogo com a Venezuela de Hugo Chávez.

O presidente Álvaro Uríbe guiou o combate às Farc em meio a denúncias de violações dos direitos humanos e até invasão de territórios vizinhos. A futura estratégia de combate ao narcotráfico ganharia qual perfil em seu governo?
O narcotráfico e a violência são efeitos de uma cultura de atalho, de justificativas para entrar na ilegalidade e no uso de meios não legítimos para alcançar os fins. A tolerância e a aceitação social são algumas razões que estão permitindo que esses fenômenos se perpetuem na Colômbia. Por isso, incentivarei que se afastem todas as expressões de ilegalidade do nosso país. Isso inclui acatar os direitos humanos e a soberania das demais nações. As principais políticas que sustentarão meu governo serão a legalidade democrática e a educação, tendo a transformação cultural como motor do desenvolvimento.

A Colômbia tem acordos que permitirão a militares norte-americanos operarem em bases na Colômbia. Eles serão mantidos? A que custo para o povo colombiano?
Sim, eles serão mantidos enquanto a Corte Constitucional e o Conselho de Estado considerarem os acordos legais. Os acordos militares seguirão tendo a importância que têm até agora, já que têm provado ser decisivos na luta contra o terrorismo e o narcotráfico. Obviamente, esses acordos serão aprovados com o trâmite respectivo, por meio dos órgãos de representação.

A política externa manterá o alinhamento incondicional aos Estados Unidos?
Não chamaria de incondicional. Os Estados Unidos são um parceiro muito importante da Colômbia. Não só em matéria comercial, mas na segurança pública. O apoio e a cooperação dos Estados Unidos são necessários e estratégicos, partindo de um ponto de co-responsabilidade entre produtores e consumidores (de drogas). Sua continuidade é muito importante para a Colômbia e esperamos que se cumpram também em matéria comercial.

Como será a relação com a Venezuela de Hugo Chávez?
Nosso propósito é ampliar e fortalecer as relações com outras nações, no marco do respeito aos princípios de não-intervenção em assuntos internos de outros Estados, do respeito à soberania e do exercício responsável da mesma, do uso de mecanismos de solução pacífica dos conflitos, de forte rechaço à força como mecanismo para resolver as diferenças. Dentro desse marco, as relações com a Venezuela, com quem compartilhamos uma história e o objetivo comum de melhorar a qualidade de vida dos nossos povos, têm de ocupar um ligar prioritário dentro da agenda.

Quais reformas institucionais são urgentes para evitar a corrupção na Colômbia e nos países latino-americanos, em geral?
As instituições colombianas devem estar reguladas e apegadas ao cumprimento das leis e das normas que as regem, sem ambiguidade. A gestão pública deve ser exemplo para o resto dos cidadãos e estar enquadrada por critérios de direito, não de favores. Para lutar contra a corrupção, deve-se impulsionar a premissa de que os recursos públicos são sagrados. Por meio da educação e da transformação cultural, se alcança uma verdadeira legalidade democrática que parte da ações transparentes e decentes do Estado.

O senhor abriu mão do financiamento público de campanha. O financiamento privado não favorece os grupos políticos predominantes?
Não renunciamos ao financiamento público por completo. Aceitamos apenas a parte que reembolsará nossos gastos para as eleições ao Congresso e a consulta interna do partido. Respeitamos a lei de forma cabal. O financiamento de nossa campanha é público e transparente, o que consideramos vital para o nosso projeto de transformação cultural e legalidade. O grosso do nosso financiamento não vem de grupos econômicos predominantes, mas sim de cidadãos que acreditam nos projetos e dão seu apoio com doações voluntárias.

Como adequar o discurso ambientalista às demandas atuais por desenvolvimento?
Não são posições incompatíveis, caminham juntas. Para alcançar um verdadeiro desenvolvimento integral sustentável, devemos procurar a preservação e o cuidado com o meio ambiente, por meio de uma regulamentação adequada que incentive o uso racional dos recursos disponíveis. Assim, poderemos desfrutar, no futuro, dos benefícios do desenvolvimento econômico, já que está em jogo a sobrevivência do planeta. Sem água e ar puro e sem um manejo comprometido, o desenvolvimento é simplesmente insustentável.

Uma das maiores bandeiras da sua campanha a chamada Cultura Cidadã. Grandes transformações podem ser feitas sem grandes orçamentos?
Efetivamente, trata-se de educar os cidadãos com o incentivo de uma cultura da legalidade para assegurar o respeito, a admiração e o cumprimento correto da lei e das normas. A cidadania e as autoridades regionais e locais serão trabalhadas para aumentar a consciência e a cooperação entre os cidadãos, recusando os atalhos e as justificativas para o descumprimento da lei e das normas. Teremos tolerância zero para com as atividades ilegais. A cultura cidadã se coloca em prática com ações pedagógicas para difundir, interiorizar e executar comportamentos para facilitar a convivência, a confiança, a tolerância, a solidariedade, a soberania da lei e da democracia.