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ONGs transformam bens da máfia em hotéis, vinhedos e lojas

Um ex-esconderijo de um chefe da máfia convertido em pequeno hotel, vinhas que crescem nas terras que antes eram da Cosa Nostra. Os bens confiscados das máfias italianas estão sendo confiados, pouco a pouco, a cooperativas e ONGs que lhe dão nova vida e um papel social nas regiões que outrora eram consideradas fora da lei.

A alguns quilômetros do vilarejo de Corleone, ex-feudo da máfia repleto de colinas verdes, pode-se descobrir no fim de uma minúscula estrada uma paragem bem cuidada. É o ex-esconderijo do sanguinário chefe da máfia Toto Riina, preso em 1993 e desde então atrás das grades.

Ao chegar, um cartaz avisa: o algergue rural "Terre di Corleone", que pode receber até 16 pessoas e conta com um restaurante, foi "realizado com os bens confiscados da máfia", além de um financiamento da União Europeia.

A 20 km dali, uma cooperativa administra nos ex-lotes da máfia um vinhedo chamado "I Cento Passi", em referência a um filme de 2002 sobre o assassinato de um jovem siciliano, Peppino Impastato, que se rebelou contra a "omertá". Um tanque metálico de fermentação para vinho tem uma faixa azul que diz: "bem confiscado da máfia".

"Estamos na saída de Corleone (Sicília), e esta vinha totalmente replantada prova que podemos produzir com excelência, uma produção em suas variedades mais procuradas, partindo do zero", disse à AFP Francesco Galante, da associação Libera.

A Libera, associação de luta contra a máfia criada pelo padre Don Ciotti, especializou-se na reconversão de bens confiscados. Mas encontram dificuldades: "criar empregos em terras que antes eram da máfia nos colocou em uma posição difícil: cometeram atentados contra nós, alguns deles graves, como dois incêndios e dois roubos", conta Galante.

A lei italiana autoriza a polícia a confiscar as propriedades da máfia ou de empresários associados a ela com base em simples suspeitas e sem esperar julgamento. Desde 1996, podem também ser "reutilizadas com fins sociais".

O governo Silvio Berlucosni acelerou os confiscos, dando fortes golpes contra grandes máfias do país: Cosa Nostra, da Sicília, Camorra, em Nápoles, e Ndrangheta, na Calábria.

O ministro do Interior, Roberto Maroni, utiliza esses confiscos como principal ferramenta na luta contra o crime organizado, registrando 10 bilhões de euros e 15.000 bens (entre edifícios, casas, terrenos, fábricas) confiscadas em dois anos.

Em Palermo, 1.700 imóveis foram confiscados, e foi em um deles que se instalou a direção antimáfia (DIA) regional. Dar um golpe no bolso da máfia "é uma tarefa complicada, já que seu patrimônio geralmente é disfarçado por empresas de fachada no exterior ou no nome de laranjas", explicou à AFP Elio Antinoro, chefe da DIA de Palermo.

Este é o verdadeiro tendão de Aquiles dos chefes da máfia. "Seu poder baseia-se em sua capacidade de dar salários a seus cúmplices, suas famílias e, caso estejam presos, de financiar sua defesa legal", afirma o coronel da brigada antimáfia, Rosolino Nasca.

Outro dos lugares recuperados com a ajuda da Libera é um centro equestre localizado em um terreno que pertenceu à família de Giovanni Brusca, conhecido por ter jogado ácido em um adolescente para castigar o pai dele, que colaborou com a Justiça. O lugar foi batizado simbolicamente com o nome do jovem: Giuseppe di Matteo.

A Libera ajudou também a abrir estabelecimentos comerciais. Um deles, em Palermo, funciona na casa que era de um empresário vinculado à máfia. Ali são vendidos produtos produzidos em "terras liberadas da máfia". No local, o cliente pode escolher entre dois tipos de azeite de oliva: um confiscado da Cosa Nostra, outro da Sacra Corona, máfia de Apúlia.