A Argentina comemora nesta terça-feira (24/5) o seu bicentenário, em meio à muita confusão, depois da recusa da presidente Cristina Kirchner a participar de uma cerimônia junto do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, um conflito que reflete a crise institucional por que passa o país.
"Se for com seu marido, terá que se sentar ao lado dele, e (essa presença) não me deixa contente", disse Macri, ao convidar à presidente para a cerimônia de gala de reabertura do Teatro Colón, a famosa ópera inaugurada em 1908, então símbolo da pujança do país.
Macri obteve uma resposta cortante da presidente: "Desfrute tranquilo e sem presenças incômodas a véspera do 24 de maio".
Macri, de direita, é considerado um inimigo acérrimo do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) a quem acusa de estar por trás de um recente processo aberto contra ele, numa investigação sobre uma rede de espionagem telefônica na capital argentina.
Cristina Kirchner comunicou que nenhum ex-presidente, com exceção de seu marido, será convidado ao jantar de gala desta terça-feira 25 de maio, no palácio do governo, para a qual foram chamados chefes de Estado estrangeiros.
Assim, a presidente deixa de fora Carlos Menem (1989-1999), Fernándo de la Rúa (1999-2001) e Eduardo Duhalde (2002-2003).
Isolou, inclusive, o vice-presidente, Julio Cobos, de quem também diverge.
Esses conflitos pessoais inauditos, em plena comemoração do bicentenario, refletem a crise institucional em que o país está mergulhado.
"Chegamos ao bicentenário sem resolver alguns problemas cruciais de caráter político", afirma o historiador Natalio Botana.
"Em 1910, tratava-se de democratizar a república, agora, em 2010 é a vez de ;republicanizar; a democracia", afirma.
"O panorama político que vivemos, hoje, é o de conflito entre um poder presidencial decidido a não se resignar em suas pretensões e um Congresso e uma Corte Suprema dispostos a exercer sua cota respectiva de peso e contrapeso", destaca Botana.
Uma sentença da Corte Suprema de quarta-feira diz que a presidente Kirchner não pode governar por decretos, depois de seu partido ter perdido a maioria parlamentar nas eleições de 28 de junho de 2009.
No início de janeiro, a presidente afastou por decreto o presidente do Banco Central sem consultar o Congresso, o que motivou um conflito com o Parlamento e com a justiça.
Para o filósofo Santiago Kovadloff "embora tenhamos reconquistado o sistema democrático há meio século" - em referência à presidência de Raúl Alfonsín que pôs fim a décadas de golpes de Estado repetidos (entre 1930 y 1983) -, "a qualidade da democracia reconquistada é ainda tênue, a institucionalidade é um fantasma".
O historiador Felipe Pigna considera "preocupante a falta de um patriotismo empresarial, como acontece no Brasil".
Há um século, a Argentina representava 58% do mercado automotivo em toda a América Latina, resumido, hoje, a 10% do brasileiro.
Para a analista Graciela R;mer, que acaba de publicar uma pesquisa sobre os argentinos e o bicentenário, "está sendo cozinhada em fogo brando na Argentina uma nova sensibilidade social que parece advertir que o desdém institucional, normativo e ético termina privando o país de resultados sociais e econômicos".