A ordem era clara: atirar para matar. Em fila, tropas apoiadas por blindados e armadas com rifles M-16 entraram na Ratchaprasong, a região ocupada por cerca de 3 mil camisas vermelhas, como se denominam os manifestantes aliados do ex-premiê Thaksin Shinawatra. A Tailândia viveu ontem um dia de caos e tensão, como não se via desde 18 de maio de 1992 ; chamada de ;Maio Negro;, a data marca uma violenta repressão contra 200 mil pessoas contrárias ao governo do então primeiro-ministro, Suchinda Kaprayioon, que deixou 52 mortos. Em poucas horas, os soldados do Centro para a Resolução de Situação de Emergência (Cres, pela sigla em inglês) esmagaram a resistência, acampada no distrito central de Bangcoc.
Durante todo o dia, tailandeses usaram o microblog Twitter para fazer circular na internet fotografias do pós-combate. As imagens mostravam corpos de camisas vermelhas no chão da Ratchaprasong, um deles sob uma imensa poça de sangue. Até o fechamento desta edição, sete pessoas haviam morrido, inclusive o repórter fotográfico italiano Fabio Polenghi, e 81 ficaram feridas. O jornalista de 45 anos foi atingido no coração e no abdome. Diante da ofensiva com munição real, sete líderes do movimento se entregaram e despertaram a fúria dos seguidores. Desde março, os conflitos deixaram 71 mortos.
;Eu não tenho o direito de pedir a ninguém que morra por minha causa. Se os nosso líderes não se rendessem, seriam executados na rua;, admitiu ao Correio um camisa vermelha que não quis ser identificado. ;Continuaremos lutando, se não for possível fazê-lo às claras, nós o faremos de forma clandestina;, acrescentou. Espalhados pelo centro de Bangcoc, eles promoveram uma onda de arruaças sem precedentes. Invadiram estabelecimentos comerciais e incendiaram 27 prédios, incluindo a Bolsa de Valores da Tailândia, o Banco Bangcoc, o Centara Grand Hotel, o shopping Central World ; o segundo maior do Sudeste da Ásia ; e a sede da Autoridade de Eletricidade Metropolitana. Para tentar controlar o caos, as autoridades decretaram toque de recolher na capital e em 22 províncias do norte e do nordeste. A medida vigora das 20h às 6h.
;Os manifestantes estão queimando os edifícios centrais de Bangcoc. No subúrbio, outros camisas vermelhas saquearam um banco e o centro comercial;, contou à reportagem a tailandesa Jatuporn Uchuwat, 18 anos. ;Os soldados trabalham por todos os lados, e creio fazem o melhor pelo país;, acrescentou. A garota admitiu que não via problemas com a mobilização dos camisas vermelhas, seis meses atrás, mas pendeu para a oposição após o bloqueio do centro da capital.
Do alto de um prédio próximo à Embaixada de Cingapura, o norte-americano Keith (nome fictício) relatou ao Correio o que via, na manhã de ontem. ;Prédios estão queimando por todos os lados. É como se bombardeiros da Segunda Guerra Mundial tivessem atacado a cidade;, comparou o anticamisas vermelhas, ex-fuzileiro naval dos EUA. ;O Central World arde, há uma enorme coluna de fumaça se elevando do topo. Também vejo fumaça negra vindo da Rodovia Rama IV, a principal de Bangcoc. Ele relata que, quando os líderes da Frente Unida pela Democracia contra a Ditadura (partido ligado aos camisas vermelhas) se renderam, os manifestantes lançaram objetos contra eles. ;Decidiram agir por contra própria, sem liderança, e começaram a incendiar tudo o que encontraram;, comentou.
Censura
No início da noite de ontem, o jornal Bangkok Post trazia em seu site a manchete ;A batalha se espalha pelo país;. Segundo o veículo, os camisas vermelhas queimaram sedes de prefeituras das cidades de Khon Kaen, Chiang Mai e Mukdahan, em uma onda de violência que realmente se alastrou para o norte e o nordeste da Tailândia. O governo do primeiro-ministro Abhisit Vejjajiva impôs ainda uma censura parcial a todas as emissoras de TV de Bangcoc, obrigando-as a transmitirem boletins noticiosos preparados pelo governo. ;Elas devem ser capazes de exibir programas de notícia com intervalos regulares. Estamos preocupados com as transmissões ao vivo dessas cenas;, admitiu o porta-voz do governo, Panitan Wattanayagor. ;Haverá mais programas do governo para serem mostrados simultaneamente por todas as estações;, avisou. As autoridades temiam que imagens como a de um menino de 10 anos morto a tiros pela polícia insuflasse ainda mais a ira dos vermelhos.
;Eu não posso entender o porquê de tanta matança;, desabafou o mesmo camisa vermelha que defendera a rendição. ;Provavelmente o pior ainda não passou. Mesmo com nossos líderes sob custódia, a polícia continou disparando contra um templo budista próximo à Ratchaprasong, onde manifestantes haviam se refugiado;, acrescentou. O Bangkok Post anunciou que nove corpos haviam sido encontrados no santuário de Pathumwanaram, mas eles não seriam removidos até hoje. Caso a informação se confirme, o total de mortes ontem subirá para 16.