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Lula viaja ao Irã em busca de solução para o polêmico programa nuclear

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciará no domingo uma delicada missão em Teerã, que busca uma solução negociada para a crise do programa nuclear iraniano e evitar sanções internacionais contra a república islâmica.

Brasil, membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, é contra novas sanções ao Irã enquanto não for comprovado que o programa nuclear do país tem fins bélicos, o que vai na contramão das grandes potências ocidentais. Mas na visita, Lula espera algum gesto iraniano que contribua para uma solução negociada.

Em Teerã, Lula terá reuniões com o presidente Mahmud Ahmadinejad e com o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, além do presidente do Parlamento, Ali Larijani. "Lula não levará ao Irã nenhuma proposta de solução nova. O que o presidente deseja é ajudar em um processo de diálogo que possa levar a um acordo", disse o porta-voz presidencial, Marcelo Baumbach.

A chave é encontrar uma fórmula capaz de satisfazer todas as partes e que permita ao Irã enriquecer urânio a 20% fora de suas fronteiras, em uma operação que a princípio aconteceria sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

De acordo com o embaixador iraniano em Brasília, Mohsen Shaterzadeh, o Irã insiste que a troca de urânio enriquecido a 5% por material a 20% seja simultânea.

Se a condição for aceita, afirma Shaterzadeh, o Irã está disposto a negociar o local da operação.

Com isto, fica abrta uma porta para que as partes negociem o intercâmbio, que pode acontecer na Turquia.

"A Turquia é um aliado do Brasil neste esforço. É um país acima de qualquer suspeita, pertence à Otan e é vizinho do Irã, de forma que tem um interesse natural em preservar a segurança na região", disse Baumbach.

O Brasil tenta atuar como mediador político de uma operação que, se for concretizada, representará um ponto a favor do país, que busca uma posição como ator político global na solução de um dos problemas mais importantes da atualidade.

As expectativas são, portanto, enormes.

"Penso que podemos considerar que a visita de Lula é talvez a última chance de diálogo para o Irã", disse um alto funcionário do Departamento de Estado americano, que pediu anonimato.

O presidente russo, Dimitri Medvedev, afirmou nesta sexta-feira, em um encontro no Kremlim com Lula, algo parecido: "Espero verdadeiramente que a missão do presidente do Brasil seja coroada de sucesso. Essa pode ser a última chance antes da adoção de medidas do Conselho de Segurança da ONU".

Medvedev disse ainda que a visita de Lula a Teerã tem 30% de chances de ser bem sucedida. "Visto que meu amigo Lula é um otimista, eu também vou ser otimista: vejo uns 30% de chances", declarou Medvedev, a ser indagado sobre as chances de sucesso que terá a visita do presidente brasileiro ao Irã.

"Era otimista ontem, sou otimista hoje e pode ser que continue sendo otimista amanhã e quero ainda ser mais otimista quando tiver me reunido com (o presidente iraniano Mahmud) Ahmadinejad", afirmara minutos antes o presidente brasileiro.

[SAIBAMAIS]Lula e o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan estarão em Teerã na segunda-feira a uma reunião do Grupo dos 15.

Ao contrário do que aconteceu com a viagem de Lula a Israel e aos territórios palestinos, no início do ano, quando tentou sem êxito posicionar o Brasil como interlocutor na região, desta vez o chefe de Estado viaja com o apoio "integral" manifestado pelo presidente francês, Nicolás Sarkozy.

Para Sabrina Medeiros, professora de Relações Internacionais de Escola de Guerra Naval no Rio de Janeiro, o Brasil tomou uma iniciativa que é coerente com as prioridades estratégicas do país. "De um lado, o Irã é muito importante como sócio comercial. E além disso, permite a projeção do Brasil no cenário internacional com vistas à conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU", disse à AFP.

Em 2009, o Brasil vendeu ao Irã produtos por 1,218 bilhão de dólares e comprou apenas 18,9 milhões.

Nos primeiros quatro meses deste ano, o Brasil exportou ao Irã 513,9 milhões (aumento de 62% em relação ao mesmo período de 2009) e importou 68 milhões (230% a mais que no primeiro quadrimestre do ano passado).

Para a analista, o Brasil tem bons argumentos para apresentar-se como "boa fonte de diálogo", já que a Constituição veta a energia nuclear para fins não pacíficos e abre regularmente quase todas as suas instalações, inclusive militares, para inspeções da AIEA.

Mas o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia alertou em um artigo que o risco assumido pelo Brasil é alto, caso o Irã não demonstre que seu programa nuclear é estritamente pacífico.