Dois dias antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar em Teerã para se encontrar com o colega Mahmud Ahmadinejad, na tentativa de fechar um acordo para enriquecer urânio iraniano na Turquia, Estados Unidos e Rússia enviaram ontem mensagens divergentes sobre o impasse nuclear. Enquanto Washington praticamente dá um ultimato, Moscou resiste à adoção de medidas unilaterais. ;Acredito que devemos ver a visita de Lula como uma tentativa final de diálogo;, afirmou um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA à agência France Presse.
De sua parte, o chanceler russo, Sergei Lavrov, alertou os EUA e outros países ocidentais contra a imposição de represálias fora do âmbito das Nações Unidas. Segundo ele, países que enfrentem sanções do Conselho de Segurança (CS) da ONU ;não podem, sob nenhuma circunstância, ser alvo de sanções unilaterais impostas por um ou outro governo, passando por cima do conselho;, disse Lavrov à agência russa Interfax. ;A posição dos Estados Unidos hoje não exibe compreensão dessa verdade absolutamente clara;, completou. Rússia e China, ambas membros permanentes do CS, são contra a adoção de sanções mais duras contra a República Islâmica por sua recusa a suspender as atividades de enriquecimento de urânio e a abrir completamente suas instalações para inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU).
O aviso de Lavrov coincidiu com a chegada de Lula a Moscou, acompanhado de empresários e dos ministros das Relações Exteriores, Defesa e Turismo, além do assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Lula se reúne hoje ao meio-dia com o presidente Dmitri Medvedev, com quem deve discutir formas de retomar o acordo para a troca de combustível nuclear e minimizar as ameaças de sanções ao Irã, país que interessa ao Brasil e à Rússia como parceiro comercial.
Na semana passada, o departamento de Estado dos EUA afirmou que não se importava com a viagem de Lula ao Irã, e que até torcia por ele, embora sem grandes expectativas. ;A essa altura, nosso cálculo é de que é pouco provável que o Irã mude de curso na ausência de um forte discurso e uma pressão real da comunidade internacional;, disse o porta-voz Philip Crowley. Ele completou que, se as autoridade brasileiras forem bem-sucedidas em convencer o Irã, seria ;um desenvolvimento positivo;.
Otimista, o chanceler Celso Amorim disse aos jornalistas, na capital russa, que estão presentes todos os elementos necessários para superar o impasse em torno do programa nuclear iraniano. ;O importante é ter um acordo prático que crie garantias objetivas de que o material disponível de urânio enriquecido no Irã não estará sendo usado para fins militares;, disse Amorim. ;Isso você consegue em parte pela implementação do acordo, e em parte pela presença dos inspetores da agência atômica (da ONU);, acrescentou.
Comércio
O diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Norton Rapesta, não demonstra preocupação com ao risco de as exportações para o Irã serem prejudicadas por uma nova rodada de sanções. ;Se elas vierem, depende da dimensão da medida;, disse Rapesta. Ele lembra que o Brasil sempre respeita as decisões da ONU, mas que a instituição nunca vetou s importação de alimentos. A agenda de Lula no Irã inclui um seminário empresarial para ampliar o comércio bilateral.
Antes de embarcar para Teerã, no domingo, Lula visita amanhã o Catar, onde será anunciada a abertura de uma linha aérea direta entre São Paulo e Doha, pela Qatar Airways. Do Irã, Lula segue para a Espanha, onde assistirá à cúpula entre União Europeia e América Latina-Caribe ; quando serão formalmente retomadas as negociações comerciais entre UE e Mercosul. Depois, participa em Lisboa da cúpula Brasil-Portugal, e chega de volta ao Brasil no dia 20.
Negócios em Moscou
Além de conversar sobre o programa nuclear iraniano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá menos de 24 horas para falar sobre turismo, comércio e investimentos com o colega russo, Dmitri Medvedev. O embaixador do Brasil na Rússia, Carlos Antônio da Rocha Paranhos, espera que o movimento de turistas entre os dois países aumente com a isenção de vistos para um período de até 90 dias. O acordo, assinado em novembro de 2008, entrará em vigor depois que os Legislativos dos dois países ratificarem a iniciativa.
Lula também discutirá meios de dobrar o comércio bilateral, que movimentou US$ 4 bilhões em 2009. O diretor do departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Norton Rapesta, acredita que os investimentos também possam ser melhorados. ;Precisamos mudar o patamar, que é considerado muito baixo. A Rússia é o 65; investidor no Brasil, com US$ 1 bilhão, e o Brasil investiu na Rússia apenas US$ 2 milhões entre 2007 e 2008;, destacou.
Segundo Rapesta, uma missão comercial brasileira irá à Rússia em setembro para tentar ampliar e diversificar as trocas. Hoje, 160 empresários russos e quase 100 brasileiros participam de um encontro, que terminará com um almoço oferecido pelo governo brasileiro ; com direito a frango, estrogonofe, picanha, filé mignon, contrafilé e filé de porco na chapa. A amostra grátis servirá para convencer o governo russo a conceder ao Brasil uma cota individual para exportação de carnes. (VV)
Análise da notícia
Aposta de Ahmadinejad
Silvio Queiroz
O Irã aposta alto na visita do presidente brasileiro, a ponto de o chanceler Manouchehr Mottaki ter anunciado uma reunião trilateral entre Lula, Mahmud Ahmadinejad e o premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, à margem da reunião dos países não alinhados. Os dois visitantes levariam ao anfitrião uma proposta para a troca do combustível nuclear iraniano, sob uma fórmula capaz de ao menos estabelecer uma ponte entre Teerã e o grupo ;cinco mais um;: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido (as potências nucleares ;oficiais;) mais Alemanha.
É com um aval restrito de Barack Obama e Nicolas Sarkozy que ;o cara; desembarca amanhã na capital iraniana: ambos se dispuseram a pagar para ver o que Lula terá a exibir, na volta. Igualmente sintomática é a atenção dedicada por Israel à movimentação diplomática na capital ;inimiga;. A imprensa israelense transpira certa ansiedade para que se cumpra mais essa etapa de um processo que, do ponto de vista do governo, deve aprofundar o isolamento do regime islâmico.