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Entrevista: 'As palavras não protegem as crianças'

Já se passaram 37 anos e as feridas na alma do norte-americano David Clohessy ainda parecem longe de se cicatrizar. Foi na transição da infância para a adolescência que sua fé e seu corpo acabaram violentados. Por dúzias de vezes, o padre John Whiteley ; da paróquia de Moberly (Missouri) ; molestou-o sexualmente. Três de seus irmãos também se viram obrigados a ceder às perversões do reverendo. Um deles tornou-se padre e, ironicamente, cometeu o mesmo crime. Diretor nacional da Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres (Snap, pela sigla em inglês) e advogado de vítimas de religiosos pedófilos, Clohessy falou com exclusividade ao Correio, por telefone, de St. Louis (Missouri). O ativista de 53 anos não se comoveu com as palavras do papa alemão Bento XVI. Pelo contrário, acusou o líder da Igreja Católica de inércia e disparou: ;São apenas palavras;.

Ao falar sobre o escândalo de pedofilia na Igreja,Bento XVI lembrou que o perdão não pode substituir a justiça.Como o senhor vê esse discurso?
Palavras mais fortes, palavras mais claras, palavras de moral. O fato é que são apenas palavras. E palavras não protegem crianças. A ação protege as crianças. Acho que é hora de o pontífice parar de falar e começar a dar passos decisivos para deter abusos de crianças cometidos por clérigos ao redor do mundo. Vai demorar mais de 100 discursos para que a mudança ocorra e o papa use seu vasto poder para punir os bispos corruptos, expor os padres criminosos e reformar leis seculares da Igreja. Acredito que essa é, definitivamente, a pior crise da história da Igreja Católica, uma instituição muito resiliente. A legitimidade e a credibilidade do clero estão ameaçadas.

Quais passos decisivos são cruciais para combater esses crimes?
Até o momento, a resposta do papa tem sido muito fraca. Acreditamos que ele precisa disciplinar os bispos que ignorarem ou ocultarem crimes sexuais contra crianças. Esse é o único e importante passo que o papa pode tomar e que deveria tomar. Enquanto as autoridades da Igreja colocarem as crianças em perigo e nunca enfrentarem consequências, os bispos continuarão continuarão a agir de forma covarde e secreta.

Por que tantos casos de abuso sexual têm surgido na Igreja Católica? Esses crimes estão ligados ao celibato?
Acredito que as razões são complicadas. A resposta mais contundente é que os padres molestam garotos, e os bispos escondem os crimes apenas porque eles podem fazê-lo. Muito poucos padres foram detidos e processados, e muito poucos bispos receberam punição. É ingênuo esperar que crimes desse tipo não ocorram. Existe uma cultura do segredo dentro da Igreja que leva a ocultar crimes sexuais.

O senhor poderia descrever como sofreu os abusos? O que mudou na sua vida desde então?
Eu fui abusado dúzias e dúzias de vezes por um período de cinco anos, dos 11 aos 16 anos, por um padre que ainda está livre e jamais recebeu qualquer tipo de punição. Isso me deixou com muita depressão e me levou a perder a fé. Também trouxe muita dor à minha família, pois o mesmo padre molestou três de meus irmãos. Um deles tornou-se padre e também cometeu abusos contra crianças. Foi um efeito devastador na minha família. O padre que me violentou nunca disse uma palavra sequer. Ele me levava a passeios fora da cidade, para acampar, fazer montanhismo ou ir para a praia. E abusava de mim no meio da noite. Eu era jovem e estava amedrontado. Não sabia o que estava ocorrendo. Em muitos casos, padres não precisam ameaçar ou coagir as vítimas, que são treinadas para respeitar e obedecer os religiosos