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Cinzas do Eyjafiallajokull se espalham e 17 mil voos são cancelados na Europa

Milhões de pessoas foram afetadas pela enorme nuvem de cinzas lançada pelo vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia. Por enquanto, não há previsão de melhora na visibilidade, muito menos de calma no vulcão. Quase 17 mil voos foram cancelados ontem no espaço aéreo da Europa, dificultando a viagem de autoridades para acompanhar o enterro do presidente (1) polonês, Lech Kaczynski. Aeroportos da França, Alemanha, Dinamarca e do Reino Unido continuaram fechados, e o problema pode chegar até países como Itália, Espanha, Turquia e Grécia. Os ventos, segundos os metereologistas, começam a levar a massa cinzenta para o sul e o leste do continente.

Em Istambul, a estudante Meral Demir, de 24 anos, assistia de perto ao caos no aeroporto da principal cidade da Turquia enquanto aguardava por uma chance de embarcar para Londres, onde mora ; o voo estava marcado para terça-feira. ;As partidas daqui para a Londres, Frankfurt, Copenhague, Amsterdã e Viena estão todas canceladas. Os passageiros dormem no aeroporto e, se a gente liga para pedir informações nas companhias aéreas, demora horas, porque todas as linhas estão ocupadas. As pessoas estão realmente preocupadas se vão conseguir chegar ao destino;, contou ao Correio.

Para o pesquisador da Universidade do Texas Jay Miller, que há 25 anos estuda os vulcões da Islândia, a atividade do Eyjafjallajokull pode aumentar nos próximos dias e, além de diminuir a visibilidade, a nuvem pode ser extremamente perigosa para os aviões. ;O magma do vulcão tem por volta de 1.200 graus, e quando atinge a água, que é extremamente fria na região, produz uma cinza fina que tem pequenos pedaços de vidro, e eles podem facilmente entupir os motores dos jatos. Quem inalar as cinzas pode ter o pulmão literalmente cortado;, advertiu o especialista, por meio da assessoria de imprensa da universidade.

Segundo Miller, os vulcões da Islândia costumam a entrar em atividade a cada cinco anos, em média, mas sempre de forma moderada. Erupções fortes como essa foram registradas em 934 a. C e em 1783. ;Benjamin Franklin foi embaixador na França nessa época e testemunhou as nuvens de cinzas que cobriam a Europa, ele chegou a escrever que tinha sido um ano em que não houve verão. A grande questão, agora, é saber o que vai acontecer. É bem provável que a atividade possa durar muito tempo, mas ninguém pode ter certeza disso. Vulcões nessa parte do mundo são mais difíceis de desvendar;, completou o pesquisador americano.

Caos aéreo
A nuvem de cinzas paralisou grande parte do tráfego aéreo na Europa. Segundo a Eurocontrol, organização europeia para a segurança da navegação aérea, a situação deve permanecer problemática nos próximos dias. ;Nenhuma decolagem ou aterrissagem é possível para aeronaves civis na maior parte dos países do norte e do centro da Europa. O espaço aéreo do sul do continente, que inclui a Espanha, o sul dos Balcãs, o sul da Itália, a Bulgária, a Grécia e a Turquia, permanece aberto e há voos previstos nesses países;, informou o órgão.

Quem não conseguiu viajar procurou meios de transporte alternativos, e várias estações de trem ficaram lotadas. Os ventos devem levar a nuvem para outras cidades, segundo informou à imprensa Teitur Arason, meteorologista do Instituto de Meteorologia da Islândia. ;As cinzas são atualmente lançadas a uma altitude superior, e com isso ampliou-se a zona de risco para os aviões;, explicou o especialista. Na Turquia, as notícias são que a situação deve piorar nos próximos dias. ;Dizem que as cinzas devem chegar por aqui na terça-feira, e por enquanto o governo afirma que os voos não serão afetados, mas a população não sabe se isso é verdade;, disse a estudante turca Meral.


1 - Funeral na Polônia
Os problemas no tráfego aéreo europeu fizeram com que nove delegações oficiais cancelassem sua viagem a Cracóvia, na Polônia, onde será sepultado hoje o presidente Lech Kaczynski, morto em acidente aéreo há uma semana. Até ontem, haviam desistido de comparecer o presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, o presidente da Macedônia, Gjorge Ivanov, o chanceler da Índia, Somanahalli Mallaiah Krishna, e o presidente do Parlamento japonês, Eda Satsuki. Antes da confirmação do fechamento do espaço aéreo polonês, representantes de 98 países, 69 delegações nacionais e 29 embaixadores eram esperados, e pelo menos 40 aviões devem desembarcar hoje na cidade. A presença do presidente americano, Barack Obama, foi confirmada.

Terra não vai esfriar
Quando a grande nuvem cinza do vulcão da Islândia apareceu no céu europeu, os cientistas se perguntaram se ela poderia trazer alívio para o aquecimento global. No passado, grandes erupções vulcânicas rebaixaram a temperatura média da Terra, mas a recente atividade vulcânica parece pequena para ter um efeito significativo sobre o clima.

O resfriamento se produz de maneira simples: o vulcão libera grande quantidade de cinzas e dióxido de enxofre, que são transportados para a estratosfera, camada acima da superfície. Lá, os fenômenos físico-químicos criam uma fina camada de partículas esbranquiçadas que, durante meses ou anos, circundam o planeta e refletem parte dos raios solares, impedindo que a radiação atinja o solo. ;Basicamente, é como colocar um escudo refletor sobre o para-brisa do carro, impedindo que o interior se aqueça demais;, compara Colin Macpherson, da Universidade Durham.

A erupção do Eyjafjallajokull pode não ter produzido enxofre suficiente, e nuvem, expelida se desloca a uma altitude baixa demais para ter qualquer impacto climático. ;A nuvem está, em média, a 6 mil metros, com picos de 11 mil metros. Além disso, essa é uma parte da atmosfera (a troposfera) onde há ventos potentes, que têm grande efeito dissipador;, explicou Emmanuel Bocrie, do serviço climático francês Méteo France.

A última vez em que um vulcão teve capacidade de alterar o clima global foi em 1991, quando o Monte Pinatubo entrou em erupção nas Filipinas, resfriando em 0,5 grau a temperatura média do planeta no ano seguinte. Outro episódio semelhante foi registrado em 1980, quando o Monte Santa Helena, no estado americano de Washington, teve seu topo pulverizado, um evento que, embora tenha sido impressionante, expeliu apenas um décimo do material liberado pelo Pinatubo.