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Hugo Chávez militariza a festa do bicentenário da independência

Acossado pelo desemprego alto, pela crise energética e pela deterioração dos serviços. Adversários veem na comemoração uma manobra pirotécnica para maquiar a impopularidade do presidente

A Venezuela celebra amanhã 200 anos de independência da Espanha. Com a popularidade em baixa, o presidente Hugo Chávez talvez não se atreva a imitar hoje o espanhol Vicente Emparán, que em 1810 perguntou ao povo reunido na Praça Maior se queria que ele continuasse no comando. A multidão caraquenha disse que ;não;, ele renunciou ao cargo e voltou para a Espanha. Na sexta-feira, Chávez destacou que ;a oligarquia apátrida nunca mais voltará a governar o país;, e que ;estão se matando; por um assento no Congresso Nacional.

O professor de ciência política Trino Márquez, da Universidade Central da Venezuela (UCV), afirma que a conjuntura política e econômica do país não dá motivos para comemorar. ;O cenário é de alto desemprego, inflação e crise nos serviços públicos;, disse ao Correio, por telefone. ;Esta ligação, por exemplo, que toda hora cai, é fruto da estatização da telefonia. Desde que a empresa foi estatizada, não há manutenção nas redes.; Desde o início do ano, os venezuelanos sofrem também com os apagões e com o racionamento de eletricidade.

Nos últimos seis meses, a popularidade de Hugo Chávez caiu de 60% para 40%. Trino avalia que o presidente está utilizando o bicentenário ;para tentar maquiar a situação do país e a dele mesmo;. Em primeiro lugar, o analista indica que os festejos e pequenas obras públicas na cidade de Caracas serviriam para diminuir a deterioração interna da imagem de Chávez e esconder o fracasso de seu ;socialismo do século 21;. Em segundo lugar, seria uma tentativa de relançar o presidente no plano internacional. ;Há dois dias, Barack Obama se reuniu com (a presidenta argentina) Cristina Kirchner, com (o presidente colombiano) Álvaro Uribe e com alguns líderes da América Central. Mas Chávez nunca foi convidado pela Casa Branca para uma reunião bilateral;, ilustra.

O analista ressalta ainda que alguns aliados do venezuelano se afastaram. ;O presidente Lula, apesar de todas as aparições públicas com Chávez, em termos reais se distancia. Um exemplo é esse novo acordo de defesa entre Brasil e Estados Unidos;, exemplifica. Entre outros países, Trino cita Chile e Panamá, ;onde a centro-direita ganhou as eleições; e não se alinhou com Chávez.

Convidados
O governo venezuelano vai comemorar o bicentenário da independência com um desfile militar em Caracas, para o qual foram convidados os presidentes dos países que integram a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba): Cuba, Bolívia, Nicarágua, Honduras, Equador, São Vicente e Granadinas, Dominica e Antígua e Barbuda. A presidenta argentina será a oradora dos atos oficiais no Congresso.

;Raúl Castro vem para a cúpula bolivariana deste domingo e para a celebração do bicentenário;, anunciou Chávez na sexta-feira, em um ato pelo sétimo aniversário do programa social Bairro Adentro, desenvolvido com o apoio de Cuba. O venezuelano agradeceu a participação dos médicos e professores cubanos e destacou que ;o que vem é revolução, revolução e mais revolução, socialismo e mais socialismo;. Por sua vez, o ministro da Defesa, general Carlos Mata Figueroa, prometeu que o desfile militar será o ;mais grandioso e monumental da história da Venezuela;.

O historiador venezuelano Manuel Caballero criticou o fato de o governo de Chávez celebrar a data com um grande desfile militar. ;É uma contradição, porque o que aconteceu naquela data (1810) foi um acontecimento puramente civil;, apontou. O acadêmico considera que os venezuelanos deveriam ;resgatar o verdadeiro significado do 19 de abril; como uma data cívica. ;Uma coisa foi a declaração da independência, que foi um fato civil, e outra a guerra da independência, que foi militar;, afirmou Caballero.

Para saber mais
Revolução popular


A revolução de 1810 foi um movimento popular ocorrido em Caracas, em 19 de abril, marco inicial da luta pela independência da Venezuela, na mesma época em que a chama da emancipação política se alastrava pela América do Sul ; com mais intensidade nas colônias espanholas. Os moradores da cidade recusaram-se a aceitar Vicente Emparán, governador indicado por Napoleão Bonaparte, que tinha invadido a Espanha e derrubado o rei Fernando VII, na esteira do impulso republicano e expansionista que se seguiu à Revolução Francesa (1789). Na Praça Maior (hoje Praça Bolívar), os representantes da aristocracia e da burguesia locais recusaram-se a reconhecer Emparán.

Inconformado com a postura da elite crioula, o espanhol foi até a janela da prefeitura e perguntou ao povo reunido se queria que ele continuasse no governo. O padre José Cortés de Madariaga teria feito gestos para que a multidão gritasse que ;não;. Emparán decidiu então voltar para a Espanha. Com a assinatura do ato de 19 de abril de 1810, foi instituída uma junta de governo, que decidiu estabelecer juntas provinciais, liberar o comércio exterior e proibir o tráfico de escravos. Apenas três províncias decidiram manter-se leais ao governo espanhol: Maracaibo, Coro e Guayana. Mas a independência da Espanha só ocorreria oficialmente depois da Batalha de Carabobo, em 24 de junho de 1821. (VV)


Ciberguerrilha chavista

Como parte das comemorações do bicentenário, o governo de Hugo Chávez criou na semana passada os ;comandos de guerrilha das comunicações;. A iniciativa é controversa e reforçou as críticas dos que acusam o presidente de buscar o controle total sobre a informação. A orientação geral dos organizadores é capacitar cidadãos, principalmente adolescentes, para usar a internet como plataforma de contra-ataque à mídia ;burguesa;.

;Pretendem recrutar jovens entre 13 e 17 anos, que manejam ferramentas tecnológicas como internet e Twitter, para navegar pela rede, defender a revolução bolivariana e atacar a oposição;, explica o cientista político venezuelano Trino Márquez. A ideia partiu da chefe de governo de Caracas imposta pelo presidente, Jaqueline Faría, e da ministra da Comunicação, Tania Díaz.

Na segunda-feira passada, foram juramentados os ;comandos de guerrilha;, formados por estudantes. A vice-ministra de Gestão Comunicacional, Helena Salcedo, celebrou o ato. ;Está ativada a guerrilha das comunicações, que se insere dentro da programação bicentenária e é uma atividade fundamental, pedida e exigida pela Lei Orgânica da Educação;, afirmou Salcedo.

Por sua vez, Faría detalhou que os participantes passam por um processo de formação, iniciado em fevereiro e com previsão de estender até julho, no qual receberão quatro horas semanais de ;treinamento extracurricular;. Segundo ela, o ;plano piloto; da guerrilha inclui 100 jovens. Sob o lema ;prepare-se, indique, crie;, o treinamento já chegou a alguns colégios da capital, como a Unidade Educativa Simón Rodríguez de Sarría.

;Minha tia é chavista e me estimulou a vir aqui;, disse um adolescente da sétima série ao jornal El Universal. ;Sabíamos que ia dar problema terem posto o nome de guerrilha;, reconhece o jovem. ;A formação do ;guerrilheiro; inclui módulos de análise crítica de meios, mensagens radiofônicas, estrutura audiovisual e páginas web;, explicou o instrutor Enrique de Armas.

;Essa proposta está sendo muita questionada. Todo o país tem criticado essa iniciativa de caráter militarista, que nega a diversidade e estimula o ódio dos jovens contra quem pense diferentemente;, afirma Trino. O presidente da Federação Venezuelana de Professores, Orlando Alzuru, classificou a proposta como uma ;aberração;, que ;impõe aos jovens atividades de ódio e ressentimento em suas atividades escolares;. (VV)