No mesmo dia em que recebeu a visita-surpresa do presidente russo, Dmitri Medvedev, a república do Daguestão, no norte do Cáucaso, aumentou o estado de alerta no país, depois da morte de duas pessoas em uma explosão de carro. O terceiro incidente da semana endureceu o discurso do Kremlin. Em reunião com as autoridades regionais, inclusive as da Chechênia e da Inguchétia, Medvedev expôs a estratégia do governo para enfrentar o terrorismo dos separatistas muçulmanos, com destaque para a opção de "arrancar cabeças" e "matar" os inimigos. "A Rússia deve destruir aqueles que estiveram por trás de vários ataques suicidas a bomba, como no metrô de Moscou", disse ele em Makhachkala, capital do Daguestão. "Arrancamos as cabeças dos bandidos mais infames, mas parece que não foi suficiente. No devido tempo, vamos encontrar e castigar a todos, tal como fizemos com os anteriores", prometeu.
[SAIBAMAIS]Reunido com os líderes das repúblicas do Cáucaso, Medvedev passou orientações inequívocas. "Precisamos realizar ataques certeiros contra os terroristas, matá-los e destruir seus esconderijos. Precisamos ajudar aqueles que desistirem do terrorismo. Precisamos desenvolver a economia, a educação e a cultura, fortalecer os aspectos morais e espirituais", listou. O presidente russo também pediu propostas de mudança de tática: "A tarefa-chave na luta contra o terrorismo é uma solução complexa para o problema, que inclui a melhoria da situação socioeconômica e leva em conta os valores morais". Medvedev também alfinetou os que usam a religião para recrutar suicidas. "No plano moral, o assassinato é pecado em qualquer religião, seja o islã, o cristianismo ou outra", ressaltou.
Em Moscou, as autoridades confirmaram a identificação das duas mulheres-bomba que atacaram o metrô, ambas originárias do Daguestão. Os preparativos para os funerais das 39 vítimas do duplo atentado foram feitos em um ambiente de nervosismo, depois que um pacote com fios e um bilhete escrito "bomba" foram encontrados na cidade. As investigações da polícia demonstraram que se tratava de um trote. Outros casos, porém, foram registrados na capital do país. Segundo a agência de notícias Itar-Tass, duas mulheres foram presas por informar sobre falsos preparativos para um ataque terrorista nos aeroportos russos. Uma delas foi detida em Moscou e a outra em Yuzhno-Sakhalinsk.
Alarme
Na segunda maior cidade da Rússia, São Petersburgo, passageiros e funcionários de duas estações de trem foram retirados após uma ameaça de bomba. O Departamento de Transporte local recebeu um telefonema anônimo por volta das 14h30 (7h30 em Brasília), alertando que havia bombas nas estações de Moskovsky e Finlyandsky - que foram imediatamente esvaziadas. "Ambas as estações foram revistadas", disse uma porta-voz do departamento à agência Ria Novosti. "A informação não foi confirmada", completou.
No Daguestão, o governo russo decidiu criar um grupo permanente de investigação, formado por membros da Procuradoria, do Ministério do Interior e dos Serviços Especiais, para atuar nos crimes particularmente graves e nos atos terroristas. A medida foi uma resposta ao atentado de quarta-feira, quando dois homens-bomba mataram nove policiais e um civil ao detonarem os explosivos em uma delegacia do Daguestão. Ontem, na mesma república, duas pessoas morreram na explosão de um veículo no distrito de Jasavurtski. "Segundo informações preliminares, o material explosivo transportado no carro detonou de forma acidental", informou a agência Interfax.
Para o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, os atentados do Daguestão poderiam estar relacionados com os do metrô de Moscou. Os incidentes não impediram que Putin viajasse para a Venezuela para assinar acordos com o presidente Hugo Chávez.
Análise da notícia
A voz do preceptor
Silvio Queiroz
Dmitri Medvedev, o pupilo de Vladimir Putin na universidade, em São Petersburgo, parece começar a assimilar o tom do mestre. Na resposta imediata aos atentados contra o metrô de Moscou, na segunda-feira, o presidente falou em "levar à Justiça" os responsáveis, enquanto o primeiro-ministro convocava os órgãos de segurança a "arrancar do fundo do esgoto" os terroristas. Agora, o discurso dos dois soa mais afinado.
Putin, veterano da KGB soviética, espião na Alemanha em plena Guerra Fria, chegou ao Kremlin com as credenciais de diretor do Serviço Federal de Segurança (FSB), sucessor da KGB. Ao longo de oito anos, dedicou-se a recompor o Estado central russo, esfacelado na transição do comunismo. A escolha do sucessor parece ter sido a opção estudada para transmitir precisamente essa imagem de "normalidade": o FSB volta a suas funções e um "político" assume o leme.
Os acontecimentos da semana reforçam a impressão de que o primeiro-ministro, nominalmente subordinado ao presidente, é quem de fato orienta a estratégia na guerra ao terrorismo do Cáucaso. Nos últimos 100 anos, a Rússia transitou do império ao comunismo, e do sistema soviético a uma classe peculiar de democracia, que toma emprestada a nomenclatura clássica do Ocidente, porém sem deixar de lado as formas clássicas de poder centralizado. Seja qual for o título de cada um, Putin é quem leva na cabeça a eterna coroa de czar.