Todos os dias, Andreza Ribeiro, 29 anos, escuta notícias sobre execuções que acabaram de ocorrer. Ela vive em Ciudad Juárez, norte do México. Um dos principais centros industriais do país, a cidade ganhou o apelido de "capital dos assassinatos". De janeiro a março, foram 600 mortes - em 2009, as autoridades registraram 2.660 homicídios. Ontem, mais cinco corpos foram encontrados. Juntos, tinham mais de 100 marcas de balas. Na sexta-feira, foram nove novas vítimas. "Os crimes acontecem a qualquer hora e em qualquer lugar", comenta a desenhista industrial, que trocou a tranquilidade de Itajubá (MG) pelo medo.
[SAIBAMAIS]Andreza toma algumas precauções: procura não sair de casa durante a noite e transita apenas entre pessoas conhecidas. "Evito lugares como bares e danceterias onde já se registraram incidentes violentos, mas sei que ainda assim não é algo seguro", acrescenta. Andreza vive em uma região dominada por organizações criminosas, onde a lei vive na base da mordaça. As imagens de 358 mulheres assassinadas entre 1993 e 2003 deram lugar a corpos decapitados, pendurados em pontes ou abandonados em praças.
Uma guerra pelo controle do tráfico de drogas e pelo poder. "A violência se estendeu a toda a sociedade", lamenta A. Gómez, 38 anos, morador de Ciudad Juárez. "Por causa da fronteira, a cidade concentra boa parte do %u2018negócio%u2019 do narcotráfico com os Estados Unidos e é onde mais se nota a violência", acrescenta. O fuzilamento de uma funcionária do Consulado dos EUA e de seu marido levou a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, a se reunir com o presidente mexicano, Felipe Calderón, na terça-feira. Ambos anunciaram uma "nova etapa" de cooperação em segurança que deve expandir a Iniciativa Mérida - o programa reconhece a responsabilidade compartilhada pelos países para combater a violência dos cartéis. De imediato, o governo de Calderón mobilizou 50 mil militares, 6 mil deles apenas em Ciudad Juárez.
Pode ter sido tarde. O relatório National Drug Threat Assessment (Avaliação Nacional da Ameaça de Drogas), divulgado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, afirma que "organizações de tráfico de drogas mexicanas continuam representando a única grande ameaça em termos de tráfico aos EUA". Segundo o texto, os cartéis intensificaram a cooperação com as gangues de rua ou em prisões.
Domínio
De acordo com Edgardo Buscaglia, especialista em segurança pelo Instituto Tecnológico Autônomo do México, os cartéis do Golfo, de Los Zetas e de Sinaloa controlam 68% dos municípios mexicanos e dominam 17 dos 32 Estados. "O Cartel de Los Zetas se aliou aos Mara Salvatruchas, gangue transnacional de 80 mil membros. Outros grupos, como os cartéis de Juárez, de Tijuana e de Oaxaca espalham a insegurança. O Cartel de Sinaloa e a família de Michoachana formaram uma articulação para combater aos Los Zetas", explica Buscaglia. Presentes em 47 países, os Sinaloa e os Los Zetas cobrem 22 crimes, que vão desde o tráfico de seres humanos até a extorsão. As drogas somam 45% de sua receita anual.
"O controle dos municípios e dos Estados, por parte dos cartéis, é feito por meio da compra de prefeitos e de governadores, e por mecanismos de extorsão, suborno e financiamento de campanhas eleitorais", afirma Buscaglia. Para conquistar mercados nacionais e rotas do tráfico, as organizações se infiltram na polícia e conseguem que as forças de segurança de um Estado combatam a polícia de outra cidade. "Isso ocorre em Monterrey, por exemplo. O grupo de Arturo Beltrán Leyva (morto em dezembro passado) capturou um pedaço da polícia e dos municípios do Estado de Nuevo León. O Cartel de Sinaloa e o Cartel do Golfo fizeram o mesmo. É uma guerra civil."
Também morador de Ciudad Juárez, Norberto Molinar, 38 anos, relata uma experiência que demonstra a ausência do Estado. "Sequestraram o pai de uma amiga. Ela anotou a placa do carro dos criminosos, entregou aos policiais e eles nada fizeram. O marido dela teve de pagar o resgate", comenta. "É impressionante a impunidade."
De acordo com Buscaglia, os cartéis de Los Zetas, de Sinaloa e de Beltrán Leyva adotaram atos de terrorismo, o que inclui a decapitação de civis. "Eles querem inspirar medo e a sensação de inexistência do governo. Dessa forma, o Cartel de Los Zetas cobra impostos em 980 regiões do México", explica. O especialista descarta que a polícia tenha condições de pacificar o país. "Estão corrompidas", lembra. Como solução, ele defende uma profunda auditoria em 3.507 empresas legais que fornecem logística aos grupos criminosos. "A Secretaria da Fazenda não fez qualquer auditoria. Essas empresas financiam campanhas de todos os partidos políticos", revela Buscaglia.