Dois grandes defensores da reforma das Nações Unidas e da ampliação do Conselho de Segurança, onde pleiteiam cadeira permanente, Brasil e Alemanha confirmaram ontem suas posições sobre temas globais e regionais durante a visita do ministro alemão de Relações Exteriores, Guido Westerwelle. No Palácio Itamaraty, Westerwelle e o chanceler Celso Amorim adotaram o mesmo discurso contra a proliferação de armas nucleares, mas discordaram quando o assunto foi o programa nuclear iraniano.
Segundo Amorim, ambos os países valorizam a importância de um mundo livre de armamentos atômicos. "Como costumo dizer, (defendemos) uma 'opção zero' em matéria de armas nucleares", disse o anfitrião. O visitante destacou também a necessidade de uma contrapartida por parte das potências nucleares. "Uma longa caminhada começa pelo primeiro passo", disse Westerwelle, citando o filósofo chinês Lao-tsé. Os dois países devem voltar ao tema em abril, na Conferência sobre Segurança Nuclear, e em maio, na Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares.
O chanceler alemão ressaltou que os dois países compartilham valores. "Temos a mesma bússola para as relações internacionais", completou. Westerwelle, porém, defendeu o esforço dos Estados Unidos para impor sanções internacionais ao Irã, por não desfazer as suspeitas sobre seu programa nuclear, enquanto Amorim reiterou que o diálogo com Teerã "não está esgotado" e que "não há razões para não negociar". Questionado pelo Correio se o governo de Berlim poderia acompanhar a posição brasileira, o ministro ponderou sobre a postura do regime islâmico. "Vivemos em continentes diferentes, Brasil e Europa estão a distâncias muito diferentes do Irã. Permanecemos prontos para negociar, mas uma vez que temos a impressão de que nossa mão estendida não tem nada para apertar%u2026 teremos de falar sobre outras medidas", explicou o alemão.
Negócios
Depois de passar por Chile, Argentina e Uruguai, a visita do ministro ao Brasil (principal parceiro econômico da Alemanha na América Latina) confirmou o renovado interesse dos alemães pela região. Em 2009, a Alemanha exportou para o país cerca de US$ 6 bilhões, e importou US$ 9,8 bilhões. Westerwelle veio acompanhado de mais de 20 jornalistas e 11 empresários, dos setores de infraestrutura, finanças e comunicações. O ministro alemão mencionou o investimento brasileiro em energia nuclear para fins pacíficos e ressaltou que seu país poderia contribuir também para o desenvolvimento de energias renováveis - setor em que "os alemães são líderes mundiais". Segundo a imprensa alemã, o consórcio franco-alemão Areva/Siemens recentemente pediu ao governo da chanceler Angela Merkel que garanta a continuidade da construção de Angra 3 no Brasil com garantias de crédito.
Amorim e Westerwelle preveem que as negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia sejam concluídas até o fim do ano. "Isso é importante, em virtude da paralisia da Rodada de Doha", disse Amorim. Westerwelle viajou no fim da tarde para São Paulo, onde visita hoje as filiais das empresas alemãs Volkswagen e Siemens. Na sexta-feira ele segue para o Rio de Janeiro, onde vai propor a participação de seu país no desenvolvimento da infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Amorim endossa Raúl Castro
O ministro Celso Amorim avalizou o discurso do presidente cubano, Raúl Castro, ao defender diante da imprensa brasileira as declarações feitas na véspera por Lula sobre a morte do preso político Orlando Zapata. "Se alguém está interessado em uma evolução política em Cuba, eu tenho uma receita muito simples: acabe com o embargo", disse o chanceler. O bloqueio econômico e as relações conflituosas com os EUA foram apontados por Raúl Castro como "responsáveis" pela morte de Zapata, depois de 85 dias de greve de fome. Lula, falando à agência de noticias Associated Press, argumentou que não poderia ceder a um protesto semelhante por parte de criminosos comuns, uma comparação que indignou os defensores dos dissidentes cubanos presos. "Não posso interpretar o presidente, mas ele tem a experiência de ter feito greve de fome e acho que estava exercendo uma autocrítica", defendeu Amorim.
Westerwelle nas Américas
# Chile
Na primeira escala da viagem, o ministro levou da Alemanha ajuda humanitária de 630 mil euros para as vítimas do terremoto. Também cumprimentou a presidenta Michelle Bachelet e conheceu o sucessor, Sebastián Piñera.
# Uruguai
Um dos "sócios menores" do Mercosul, ao lado do Paraguai, acaba de dar posse ao novo presidente, o ex-guerrilheiro José Mujica.
# Argentina
Além de ser um dos "grandes" do bloco sul-americano, é parceiro tradicional e recebeu imigrantes alemães nos séculos 19 e 20.
# Brasil
A última escala foi de maior importância, inclusive pela extensão e profundidade dos laços bilaterais. No âmbito da parceria estratégica, Westerwelle tratou com Celso Amorim de temas da agenda global, como o programa nuclear do Irã. Os dois países pleiteiam cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
# México
Outro sócio latino-americano de peso, receberá o novo ministro alemão do exterior no fim do ano, quando a Cidade do México sediará uma cúpula internacional sobre mudanças climáticas, em seguimento à reunião do ano passado em Copenhague.