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Massacre na Nigéria envolve religião e exploração de petróleo

O massacre começou às 3h de domingo (23h de sábado, em Brasília). Durante três longas horas, machetes (um tipo de facão) rasgaram rostos, pescoços e pernas. Os assassinos ; criadores de gado muçulmanos da etnia fulani ; não partiram sem antes queimar os corpos de homens, mulheres e crianças. O vilarejo de Dogo Nahawa, no centro-leste da Nigéria, uniu-se ontem em luto coletivo. Os cristãos da etnia berom alinharam seus mais de 500 mortos pelas ruas da comunidade para depois sepultá-los. Outras duas aldeias ao sul de Jos, capital do estado de Plateau, também enfrentaram a crueldade, em menor escala. ;Os fulanis chegaram aos vilarejos realizando disparos para o alto e queimando casas;, descreveu ao Correio, por telefone, o jornalista nigeriano Sunny Ofili, editor-chefe do jornal The Times of Nigeria, baseado em Lagos, a segunda maior cidade do país. ;Com o incêndio, as pessoas começaram a correr pelas ruas. Foi quando os muçulmanos usaram os machetes para matar e desfigurar os cristãos;, acrescentou.

[SAIBAMAIS]Segundo Ofili, cristãos e muçulmanos dividem o espaço em Jos, capital do estado de Plateau. ;Eventualmente, alguns muçulmanos do estado vizinho de Bauchi começaram a se estabelecer em Jos. Qualquer pessoa sabe que a terra é um tema contencioso em qualquer lugar no mundo;, disse o jornalista. Ele explicou que ocorrem disputas entre ambos os grupos cerca de três ou quatro vezes por ano. ;O ataque de domingo teve mais um caráter de retaliação, os fulanis entraram nas aldeias e eliminaram qualquer pessoa pelo caminho;, admitiu, lembrando que os cristãos vinham realizando uma série de ataques na região. Ofili acredita que os 500 mortos fazem parte de uma estatística ;muito conservadora;, por abrangerem apenas o vilarejo de Dogo Nahawa.

O dia seguinte à carnificina foi de silêncio marcado pelo medo. O Correio tentou entrar em contato com missionários da região de Jos, mas eles preferiram não falar. O Fórum dos Cristãos do Estado de Plateau divulgou um comunicado no mesmo dia do massacre e acusou o Exército nigeriano de passividade ante o ataque. ;Por que os soldados não intervieram?;, questiona a entidade. Jos estava sob toque de recolher das 18h às 6h, desde o episódio de violência anterior ; em janeiro, entre 300 e 550 pessoas morreram em outro conflito.

Em Michigan, Ronald Geerlings, diretor do Comitê de Ajuda Mundial Protestante (CRWRC, pela sigla em inglês) da África Ocidental, disse à reportagem que a Constituição nigeriana passou a estabelecer os direitos dos povos nativos. ;As leis do país reconhecem mais os direitos de pessoas que são próprias de uma região do que daquelas assentadas. O fato de existirem cerca de 400 grupos étnicos na Nigéria torna a situação bastante complicada, quando um deles tenta capitalizar recursos naturais;, comentou.

Geerlings acha que o conflito é muito menos sectário ou religioso e mais baseado na competição por riquezas ; a economia da Nigéria depende quase totalmente da exportação do petróleo. ;Trata-se de ver quem controla mais o dinheiro nigeriano em nível local;, opinou o missionário ativista. A violência em Jos estarreceu a comunidade internacional. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, pediu que protagonistas ;se contenham ao máximo; após as mortes. ;Eu estou profundamente preocupado que tenha sido mais violência inter-religiosa, com uma terrível perda de vidas;, declarou ele. ;Eu apelo a todos para que se contenham ao máximo.;

Moderação

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, também pediu moderação aos nigerianos e exortou as autoridades a levarem os culpados à Justiça. ;Seguimos pedindo a todos os protagonistas que mostrem moderação;, declarou a chefe da diplomacia norte-americana. ;O governo nigeriano tem o dever de levar os autores (do massacre) aos tribunais;, acrescentou ela, citada pela agência de notícias France-Presse. Por sua vez, o Vaticano evitou polêmicas e omitiu-se de comentar a natureza religiosa dos confrontos. O padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, manifestou ;dor e preocupação; pelos ;horríveis; episódios de violência.

Para John Onaiyekan, arcebispo de Abuja, a carnificina de domingo teve como causas diferenças culturais, sociais, econômicas e tribais, e não religiosas. ;Pessoas armadas, chamadas fulanis, atacaram a vila do grupo étnico berom. É um clássico conflito entre pastores e agricultores, exceto que todos os fulanis são muçulmanos e todos os berom são cristãos;, justificou, em entrevista à Rádio do Vaticano.

; Para saber mais
Tragédia africana
Silvio Queiroz


A sucessão de massacres e ;contramassacres; na Nigéria traz imediatamente à lembrança o genocídio de 1994 em Ruanda, com centenas de milhares de mortos nos confrontos entre etnias rivais. A dimensão da matança é menor no caso nigeriano, e também a motivação mais aparente do conflito ; ;oficialmente;, uma disputa religiosa. Mas o pano de fundo é o mesmo nos episódios de violência que se repetem na África com padrão endêmico: riquezas naturais (em exploração ou em reserva), pobreza aguda acentuada por bolsões de prosperidade suspeita e Estados incipientes ou semifalidos.

A população nigeriana se divide praticamente meio a meio entre muçulmanos e cristãos, com uma reduzida minoria adepta de religiões tradicionais ; como os cultos iorubás, ancestrais do candomblé. Nos últimos anos, sucederam-se confrontos em estados onde a maioria optou por adotar a lei islâmica. O saldo da perseguição recíproca foi o conhecido padrão da chamada ;limpeza étnica;, tão recorrente no continente africano: os vencidos fogem e a convivência intercomunitária dá lugar a uma espécie de ;feudalização; do país.

Vinda de três décadas de ditaduras militares, a Nigéria completou em 2009 o período mais longo (10 anos) de normalidade política desde a independência. Além de ser o país mais populoso da África, com mais de 150 milhões de habitantes, é um dos grandes produtores de petróleo ; por sinal, um dos objetos de disputa entre o governo central e a minoria étnica concentrada no Delta do Níger, onde ficam as jazidas.