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Duas fortes réplicas sacodem o centro-sul do país e espalham pânico. Sismólogos preveem abalos nos próximos anos

Em algumas situações, 30 segundos é tempo suficiente para provocar pânico e desespero e colocar em risco uma vida inteira. Na antevéspera do início do luto oficial pelas vítimas do terremoto de 27 de fevereiro, o medo da morte pairou ontem mais uma vez sobre os moradores da região de Bío Bío, no centro-sul do Chile. ;Foi algo terrível, terrível! A segunda réplica foi pior e produziu ruídos. Tivemos tanto medo e susto;, relata ao Correio, por telefone, a professora e comerciante Cecilia Sierro, 52 anos. ;Tudo se movia de um lado para o outro;, acrescenta a moradora de San Pedro de La Paz, povoado situado a apenas cinco quilômetros de Concepción ; a cidade mais devastada ; e onde vivem 220 mil pessoas. O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, pela sigla em inglês) registrou ontem dois abalos secundários, de magnitudes 6 e 6,6 na escala Richter (aberta, raramente chega a 9). O tremor mais intenso foi sentido às 8h47, e teve como epicentro uma área 35km a norte de Concepción. As duas fortes réplicas de ontem destruíram pelo menos um silo para farinha e uma ponte. Apesar de não terem causado mais mortes, aumentaram o trauma da população. Desde sábado passado, a aproximação do pôr do sol tem provocado calafrios em Cecilia. ;Não quero que a noite chegue. Não quero dormir, pois tenho medo;, admite ela, mesmo sabendo que a ciência descarta a possibilidade de um novo tremor de magnitude 8,8. A professora vive em um conjunto residencial e recebe a solidariedade dos vizinhos. ;Graças a Deus, celebramos uma missa agora há pouco. Vamos fazer outra no domingo (amanhã). Vamos pedir o apoio de Jesus, e nada mais. A angústia é total, a qualquer hora saber que o chão pode se mover sob seus pés.; ;Sentimos medo, muito medo;, comenta, por telefone, o mecânico Carlos Vásquez, 52 anos, também morador de San Pedro de La Paz. Ele conta que vive em uma região onde as casas são à prova de terremotos, erguidas na década de 1960. ;São moradias resistentes, mas pudemos escutar o barulho do concreto;, diz. ;É uma sensação de histeria coletiva, de pânico. Você vê a mesa e as camas ;correrem; pela casa e rachaduras surgirem nas paredes.; Fenômeno comum Angústia, medo e impotência. Sentimentos devem durar muito tempo. Em entrevista ao Correio, o sismólogo John Bellini ; do Centro Nacional de Informações sobre Terremotos do USGS ; explicou que, pelo fato de ter sido descomunal, o tremor de sábado passado é capaz de provocar réplicas iguais ou maiores que as de magnitude 6. ;Existe o potencial para grandes abalos no Chile agora e durante as próximas várias semanas. Isso vai diminuir com o tempo, mas a população deve estar ciente de que eles ocorrerão e se preparar;, prevê. Ele vai além e adverte que os tremores secundários provavelmente prosseguirão pelos próximos meses ou mesmo anos. A colega Jessica Sigala, geofísica do USGS, concorda. ;É muita energia liberada, e a Terra está voltando ao normal. Para isto, ainda está se movendo, e as réplicas são isso;, afirma à agência de notícias France-Presse. Em Chiguayante, a apenas 10 minutos de Concepción, o estudante de engenharia civil industrial Gonzalo Ignacio Barra Valladares, 24 anos, reconheceu que a réplica de magnitude 6,6 foi grande, mas nada comparado ao terremoto. ;Foi uma das mais intensas que sentimos nos últimos dias. Algumas estruturas desmoronaram, porque já estavam danificadas;, relata. Segundo ele, o pânico foi maior nos povoados costeiros, ainda que nenhum alarme de tsunami tenha sido emitido. ;Os moradores do litoral acampam nos morros, com medo do maremoto;, descreve. Chiguayante voltou a contar com os serviços de comunicação e de eletricidade, mas ainda se vê obrigada a conviver com a falta d;água. Gonzalo garante que os chilenos estão atentados e preparados para lidar com os tremores secundários. ;Já não nos causam tanto medo, se comparados com o terremoto de sábado passado;, admite. A população procura seguir as normas de segurança, para evitar ferimentos. ;Durante os abalos, nos colocamos sob o batente das portas ou nos refugiamos em locais abertos, isolados de construções;, comenta. A catástrofe parece ter reforçado o patriotismo do rapaz. ;Tenho orgulho de ser chileno. Nós sempre nos reerguemos das desgraças;, justifica. A insegurança parece dar o tom da lentidão na ajuda humanitária. Pelo menos 327 pessoas foram detidas, desde quinta-feira, acusadas de tumultos e de ignorar o toque de recolher. ;O país está em ordem, seis dias após o maior desastre natural da história do Chile;, diz Patricio Rosende, subsecretário do Interior. ; ONU doa US$ 10 milhões A Organização das Nações Unidas (ONU) entregará US$ 10 milhões ao Chile, como forma de ajudar o país a responder à maior catástrofe dos últimos 50 anos. ;As Nações Unidas enviarão US$ 10 milhões do Fundo de Emergência, em uma transferência feita ao governo;, avisou o secretário-geral Ban Ki-moon, durante entrevista coletiva no Palácio de La Moneda, ao lado da presidenta Michelle Bachelet. O sul-coreano prometeu ;ajudar o Chile, acompanhando técnica e financeiramente a reconstrução; das áreas devastadas pelo terremoto do último dia 27. ;Eu sei que esse foi um dos piores desastres naturais na história recente do Chile; ao mesmo tempo, estou muito movido ao ver tanta coragem, fortaleza e resiliência do povo chileno;, acrescentou Ki-moon. Bachelet agradeceu a visita e revelou que ele auxiliaria na coordenação do trabalho de 14 agências da ONU. ;Com sua presença aqui no Chile, o que o secretário-geral está dizendo ao país é que as Nações Unidas vão acompanhar o país na emergência, mas que também vão nos ajudar conforme o possível no processo de reconstrução;, declarou Bachelet. Liderança Na manhã de hoje, o líder da ONU deve visitar a cidade de Concepción, para inspecionar os danos e se reunir com as equipes de resgate. Segundo a agência de notícias espanhola EFE, o secretário-geral parabenizou Bachelet por sua ;extraordinária liderança; ante a catástrofe e prometeu pedir aos países-membros das Nações Unidas que somem contribuições ao Chile. Carta de ex-líder do Pink Floyd Roger Waters, ex-líder da lendária banda de rock Pink Floyd, enviou ao Chile uma carta na qual expressou sua solidariedade para com os afetados pelo terremoto e colocou-se à disposição do país sul-americano. ;Deixe-me saber sobre as melhores maneiras de colaborar. Talvez a nível pessoal ou local? Ou um cheque? (;) A ajuda para desastres não deveria ser um tema para as organizações humanitárias. Deveria ser uma obrigação global;, escreveu, de acordo com o jornal chileno La Tercera. Waters endereçou a mensagem ao amigo Hernán Rojas, um engenheiro de som que participou de álbuns de músicos como Neil Diamond, Frank Zappa, Van Halen e Prince. Mecânico Carlos Vásquez, 53, fala sobre os terremotos no Chile Cecilia Sierro, 52 anos, moradora de San Pedro de La Paz, cidade afetada pelo terremoto de 27 de fevereiro