Em Constitución, a esperança está por um fio. Os bombeiros visitam casa por casa e marcam com tinta as ruínas onde apenas corpos foram encontrados. Já se passaram seis dias desde que terremoto de magnitude 8,8 na escala Richter sacudiu com força o centro-sul do Chile, deflagrando um tsunami e disseminando destruição. Mas as equipes de resgate já admitem que são escassas as chances de socorrer sobreviventes e já se concentram em buscar corpos sob as ruínas. No entanto, muitos chilenos ainda aguardam notícias de seus familiares. ;No dia do terremoto havia uma festa de fim do verão aqui na cidade. No meio do Rio Maule, existe uma ilha chamada Orrego. Ao menos 300 pessoas estavam acampadas ali, esperando pelos fogos de artifício;, contou ao Correio, pela internet, a estudante do quarto ano de educação especial María Bernardita Fernández, 21 anos. ;Os bombeiros encontraram oito pessoas vivas, amarradas às copas das árvores submersas;, acrescentou.
O resgate dos oito sobreviventes, localizados algumas horas depois do maremoto, bastou para que María acreditasse em outros salvamentos. ;Minha irmã é subtenente da Força Aérea do Chile e tem sobrevoado a área atingida;, conta María, ao justificar por que ainda não perdeu o otimismo. ;Se eles suspenderem as buscas a sobreviventes, estarão cometendo um engano;, afirma à reportagem, por telefone, o estudante Rodrigo Eliseo Burgos, 19 anos. Morador de Santiago, ele estava em Concepción ; a cidade mais afetada ; no dia do terremoto devastador e teve um corte profundo, causado por vidros estilhaçados. ;Creio que ainda há gente viva, muitas pessoas reclamam por familiares desaparecidos;, acrescenta.
Também na capital, o desenhista técnico Ricardo Andres Rodríguez Fuentes, 22 anos, exorta o governo a não abandonar os esforços por sobreviventes. ;Penso que as autoridades deveriam fazer o impossível para isso, independentemente se isso vai demorar até amanhã ou 58 horas a mais. Há pessoas que resistiram consumindo farinha ou frutas. É preciso seguir buscando-as, apesar de sabermos que as esperanças não são muitas;, desabafa, em entrevista, também por telefone, ao Correio. Para ele, suspender as buscas seria uma atitude ;pouco chilena;. ;Nosso povo se caracteriza por ser guerreiro, por insistir até o fim.;
Humberto Silva, chefe das operações dos bombeiros na localidade de Coquimbo, disse ser ;muito pouco provável; encontrar sobreviventes. Em algumas áreas, as buscas foram encerradas ontem mesmo. ;Hoje estamos apenas nas operações de busca de cadáveres;, declarou à agência Reuters. Mergulhadores táticos podiam ser vistos procurando por corpos no Rio Maule. As autoridades creem que o tsunami tenha arrastado muitas pessoas para rios da região.
Recontagem
Em meio à tragédia, a presidenta do Chile, Michelle Bachelet, rebaixou a cifra de mortos na região do Maule de 587 a 316. Com isso, o governo decidiu fazer uma nova recontagem das vítimas da catástrofe, o que poderia alterar o balanço provisório de 802 mortos. ;Os médicos-legistas farão um estudo do que aconteceu, pois desaparecidos teriam sido incluídos como mortos;, admitiu a mandatária, ao visitar Talca, capital do Maule. Ela explicou que 200 pessoas que estavam acampadas na Ilha Orrego ainda não foram localizadas. ;Se houver menos mortos, melhor. Havia uns 200 desaparecidos e este número que causa discrepância. A informação veio do município, dos bombeiros e dos carabineiros;, comentou.
; Depoimento
Tristeza, orgulho e doação
;A tragédia em meu país golpeou-me de forma bastante forte. Tenho um amigo que está em Concepción, perto do epicentro do terremoto. Felizmente, ele está bem. A reação do governo à catástrofe é lenta. Estão demorando muito a levar ajuda às áreas atingidas. Como chileno, eu esperava uma decisão mais drástica de nossa presidenta (Michelle Bachelet) e que ela fizesse valer sua palavra. Agora, é preciso ajudar. Somente mais tarde, apurar responsabilidades. Temos que ajudar as pessoas a seguirem adiante e a reconstruir suas casas. Precisamos de mais organização nessa coordenação de assistência humanitária. Somente em San José de Maipo, na província Cordillera, há mais de 180 pessoas isoladas, sem acesso à internet ou à TV. Temos que ajudar os povoados menores.
Eu me sinto realmente chateado por não poder me dirigir até Concepción e ajudar as pessoas. Eu me sinto orgulhoso com o fato de o Brasil (1) se preocupar conosco e de eu estar contribuindo com o meu país, ao dar esse depoimento. Muita gente perdeu a família inteira nessa catástrofe. Parece-me fabuloso que o Brasil, como vizinhos que somos, ajude meu povo. É fabuloso que um país tão grande possa cooperar com o Chile.;
1 - Hospital em estádio
Um hospital de campanha cedido pelo governo brasileiro foi montado ontem no Estádio Municipal de Cerro Navia, em Santiago. As instalações contam com 20 leitos ; incluindo sete de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) ;, mesas cirúrgicas, laboratório e aparelhos para hemodiálise. Sua função é manter atendimento aos pacientes do Hospital Félix Bulnes, bastante danificado pelo terremoto de sábado passado. Pelo menos 47 médicos brasileiros atuam no centro improvisado, que começará em breve uma campanha de vacinação contra a hepatite A.
Ricardo Andres Rodríguez Fuentes, 22 anos, morador de Santiago