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Novo tremor provocou medo de tsunami

A comunicação teve de ser interrompida quase de imediato às 15h10 desta quarta-feira (3/3). "Há um novo alarme de tsunami, adeus", afirmou ao Correio, pela internet, Italo Bretti Leiva, morador de Concepción, a cidade mais arrasada pelo terremoto de magnitude 8,8 na escala Richter. Cerca de 50 minutos depois, as autoridades cancelaram o alerta, provocado por uma réplica de 5,9 que sacudiu o mar próximo a Bío Bío, às 14h44. Segundo a agência de notícias France-Presse, a polícia chegou a gritar para que a população se retirasse da parte baixa de Concepción e de Constitución, ambas no sul do país. Foi o bastante para espalhar o pânico e reviver o pesadelo da madrugada de sábado. "Às 5h, estávamos em um monte em Talcahuano e as autoridades usaram alto-falantes para acalmar a população e garantir que não haveria tsunami", relata à reportagem. "No dia seguinte, tornaram a afirmar que aquilo não era um maremoto, apenas uma marejada (leve agitação de ondas)", acrescenta. [SAIBAMAIS]Em San Pedro de la Paz, a cerca de 14km de Concepción, a voz da assistente social María S. (ela não quis ter o nome completo divulgado) não escondia o pânico. "Estamos com muito, muito medo. Vivo em uma cidade cercada pela água. As pessoas corriam para todos os lados e ninguém sabia para onde ia", desabafou, em entrevista por telefone à reportagem. "Foi algo atroz. Estou muito mal agora. Não sabemos o que fazer e não acreditamos em mais nada", disse a chilena, que já pensa em fugir da cidade com o filho. Ela acredita que o governo chileno provavelmente não se deu conta do risco ou preferiu evitar uma comoção nacional, ao receber o alerta do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, pela sigla em inglês) sobre o tsunami. "Primeiro, disseram que foi um maremoto. Depois, voltaram atrás. As autoridades estão desconcertadas", comentou. Os depoimentos de Italo e de María coincidem com a informação divulgada ontem pelo jornal El Mercurio, de Santiago. O diário publicou trechos de um documento secreto entregue pelo comandante-em-chefe da Marinha chilena, almirante Eduardo González, ao chefe do Estado-Maior Conjunto da Defesa, general Cristián Le Dantec. Segundo o texto, a Marinha repassou um dado errado à presidenta do Chile, Michelle Bachelet. "O epicentro está na terra, logo, não deve haver um tsunami", assinalava o comunicado enviado pelo Serviço Hidrográfico e Oceanográfico (Shoa) da Marinha, às 5h20 de sábado - cerca de duas horas depois do terremoto. Dez minutos depois, o organismo voltou a negar o perigo de um maremoto e convenceu a mandatária. Bachelet não tocou no assunto, ao falar pela primeira vez à imprensa após o tremor. "Este governo será lembrado como maldito e ineficiente", reclamou Italo. Aos poucos, a ajuda humanitária tem alcançado as regiões mais devastadas, reduzindo os saques e a violência. "A rede de distribuição está operacional e grande parte da ajuda começa a chegar", disse Carmen Fernández, diretora do Escritório Nacional de Emergências (Onemi). Italo Leiva considera a situação em Concepción "um pouco mais normal". "Agora, temos luz e água em alguns setores. Os saques diminuíram, basicamente porque não há mais o que roubar", explica. O chileno relata que os vizinhos se reúnem todas as noites para coibir a ação de pessoas desesperadas e famintas. Prioridades O foco se volta também para a busca a sobreviventes ainda presos sob os escombros. Patricio Rosende, subsecretário do Interior, reuniu a imprensa durante a tarde e estabeleceu a lista de prioridades, além do resgate: a reativação dos serviços básicos em todo o país e a distribuição da ajuda. Até as 19h30 de ontem, o número de mortos era de 802. O general Bosco Pesse, chefe do Exército na área de desastre, admitiu à agência France-Presse que o total de vítimas deve subir para mil nos próximos dias."A força do tsunami foi terrível", afirmou. "A água avançou dois quilômetros sobre a terra em algumas regiões." Às 16h58 de ontem, uma nova réplica - de magnitude 5,5 - sacudiu Santiago. De acordo com o jornal La Tercera, pelo menos 10,9 mil pessoas foram diretamente afetadas pelo terremoto e pela série de sismos secundários desde sábado. Emocionada e em meio às lágrimas, Bachelet falou mais uma vez à população. "Eu queria lhes pedir que tenham confiança de que estamos trabalhando com todo o esforço, com todo o compromisso, para chegar aos lugares mais remotos. (%u2026) Sou forte, mas não tenho me dado tempo para a dor.%u201D Detalhes de um engano fatal Veja a cronologia das comunicações entre a Marinha e o governo sobre os riscos de tsunami, no último sábado: 3h34 - O terremoto de magnitude 8,8 na escala Richter sacode o sul do Chile 3h44 - O Serviço Geológico dos Estados Unidos emite o alerta de tsunami 3h55 - O Serviço Hidrográfico e Oceanográfico da Marinha (Shoa) comunica o Escritório Nacional de Emergências e Informação (Onemi) - órgão do governo federal - sobre o risco 4h07 - O Shoa envia um primeiro fac-símile ao Onemi. "Condições podem provocar um tsunami. Se desconhece o que o produziu. Nós o manteremos informados" 4h10 - Carmen Fernández, diretora do Onemi, confirma uma morte, mas não fala em alerta de tsunami 5h - A presidenta Michelle Bachelet chega a Onemi. No mesmo momento, a primeira onda do tsunami - de média intensidade - atingia a costa chilena 5h20 - Bachelet pede explicações ao chefe de turno do Shoa. Ele assinala que o epicentro ocorreu na terra e afirma que "não deveria haver tsunami" 5h22 - O Onemi emite comunicado no qual afirma não haver perigo de tsunami em nenhuma área do país 5h30 - Uma segunda onda, "de intensidade muito forte", golpea as cidades litorâneas 5h40 - Bachelet pede calma, confirma seis mortes, mas não menciona o tsunami 6h05 - Uma nova onda, de "forte intensidade", volta a atingir o litoral 6h26 - Um novo fac-símile do Shoa ao Onemi afirma que "o terremoto tem magnitude suficiente para provocar um tsunami". Também descreve "variações leves no nível da maré" e assegura que "tais condições não geram ondas destrutivas" 6h29 - O Onemi volta a descartar a possibilidade de tsunami 6h55 - Bachelet também garante que "não há risco de tsunami"