Dentro de uma facção cujos objetivos são expulsar os invasores e estabelecer um Estado islâmico puro no Afeganistão, não existe espaço para a palavra "insubstituível". Nem por isso o Talibã deixará de sentir a prisão do mulá Abdul Ghani Baradar, o segundo homem mais importante da milícia fundamentalista, atrás apenas do mulá Omar. Segundo o jornal norte-americano The New York Times, a operação para capturá-lo foi tão secreta quanto sua aparência. Fotografias do vice-líder jamais foram divulgadas. Baradar teria sido detido durante uma ação conjunta da Agência Central de Inteligância (CIA), dos Estados Unidos, e do Diretório para os Interserviços da Inteligência (ISI), do Paquistão. A missão, realizada em Karachi (a maior cidade paquistanesa), provavelmente ocorreu na semana passada. Ainda de acordo com a publicação, o extremista estaria sendo frequentemente interrogado por agentes de ambos os países. A esperança é que ele revele o paradeiro do mulá Omar, líder espiritual e fundador do Talibã e de Osama bin Laden, chefe da rede terrorista Al-Qaeda.
[SAIBAMAIS]O Talibã não perdeu tempo e se apressou em desmentir a notícia sobre a prisão. "Os rumores que circulam sobre a detenção de Baradar são falsos. São uma grande mentira", declarou Yussuf Ahmadi, porta-voz da milícia no Afeganistão, em entrevista à agência de notícias France-Presse. "Baradar está no Afeganistão, onde dirige todas as operações da jihad (guerra santa). Está aqui conosco, em contato", garantiu. Por telefone, de Cingapura, o cingalês Rohan Kumar Gunaratna - autor de Por dentro da Al-Qaeda: Rede global de terror - explicou que o Talibã talvez aposte na rápida libertação do mulá. "A captura é um golpe bastante significativo contra a milícia, pois Baradar é o chefe do conselho diretivo da facção e seu mais importante comandante", assinala. "Ao mesmo tempo, ela abre a oportunidade de negociação entre Islamabad e o movimento fundamentalista", afirma. Ele ressalta que Baradar era "o homem-chave nas tentativas de diálogo com o governo paquistanês".
Gunaratna duvida que a prisão facilite a caçada a Bin Laden. Segundo ele, o homem mais procurado do mundo provavelmente vive escondido nas Áreas Tribais Federalmente Administradas (Fata, pela sigla em inglês) e conta com o apoio do Talibã. "Qualquer informação sobre Bin Laden é considerada ultrassecreta na região", comenta. O fato de Baradar ter sido interceptado em Karachi não surpreende o cingalês, também diretor do Centro Internacional para Violência Política e Pesquisa sobre Terrorismo (ICPVTR) da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura. "Quando os Estados Unidos atacaram o Afeganistão, em 2001, a rede Al-Qaeda e o Talibã recuaram para o Paquistão", lembra. "Os EUA não ajudaram os paquistaneses a combaterem o terrorismo e mudaram de foco para o Iraque."
Apesar de o governo norte-americano não confirmar oficialmente a captura do mulá Baradar, a Casa Branca fez ontem uma declaração reveladora. "Acredito que nos últimos meses vimos um aumento na cooperação dos paquistaneses", disse o porta-voz Robert Gibbs. "Vimos um aumento do combate paquistanês aos extremistas em seu próprio território", acrescentou. O assessor do presidente Barack Obama afirmou ainda que os paquistaneses "entenderam que as ameaças extremistas dentro de suas fronteiras não eram apenas dirigidas contra o exterior, mas também a seu próprio país". Gibbs saudou o "trabalho construtivo e as reuniões regulares" entre autoridades dos dois países.
Marjah
O anúncio da prisão do mulá Baradar coincidiu com o quarto dia da megaofensiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte na província de Helmand (sul do Afeganistão). Ante o anúncio de sucesso por parte da aliança militar ocidental, os milicianos usaram o correio eletrônico para convidar os jornalistas a irem à cidade de Marjah, o centro dos combates. "Os jornalistas poderão ver a situação com seus próprios olhos e mostrar ao público quem controla a região", afirma a mensagem divulgada pela agência France-Presse.
Civis na linha de fogo
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) confirmou que mais três civis morreram "acidentalmente" ontem, na região de Marjah. Desde o início da operação, na madrugada de sábado, 15 cidadãos afegãos foram mortos. Mais 10 talibãs também teriam sido abatidos enquanto soldados perseguiam um "comandante talibã" da província de Helmand. Pela primeira vez, a Otan usou artilharia não letal para intimidar os extremistas - as chamadas ogivas de fumaça.