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Líder de entidade pró-direitos humanos haitiana acusa forças estrangeiras de brutalidade

Antonal Mortimé ainda afirma que a ajuda internacional é "desumana"

Ajuda humanitária aliada ao respeito ao próximo. Esse é o apelo de Antonal Mortimé, secretário-executivo da Plataforma das Organizações Haitianas dos Direitos Humanos (POHDH, pela sigla em inglês). Em entrevista ao Correio, por telefone, de Porto Príncipe, ele acusou as forças norte-americanas de atuarem com ;discriminação e brutalidade;, denunciou o controle absoluto do aeroporto pelos soldados dos Estados Unidos e criticou a adoção de crianças haitianas por parte de estrangeiros.

Como o senhor analisa o tratamento dispensado pelas tropas estrangeiras aos haitianos?
Os norte-americanos têm uma convivência muito ruim com os haitianos, principalmente em Porto Príncipe. Temos enfrentado uma situação muito desagradável com eles. Por exemplo, o aeroporto da capital está totalmente controlado pelos norte-americanos. Os latino-americanos não conseguem intervir em algumas questões muito importantes, mesmo tendo sido os primeiros a agir depois da catástrofe. Os norte-americanos funcionam com discriminação e brutalidade. Isso é algo histórico.

Pode citar mais exemplos de abusos cometidos por parte dos norte-americanos?
Sim. Eles impedem os haitianos de passarem por alguns lugares e costumam falar em tom agressivo.

Existe realmente um grande número de haitianos tentado fugir para os Estados Unidos?
Todos os haitianos estão com a cabeça muito quente. Eles não sabem o que fazer e como sair dessa situação tão complicada para nós. A maior parte dos estrangeiros já deixou Porto Príncipe e muitos haitianos tentam ir para a República Dominicana. Mas nós, militantes dos movimentos sociais, precisamos ficar para acompanhar a população haitiana e ajudar na questão dos alimentos, na saúde e na segurança.

A ajuda internacional até o momento tem sido suficiente?
Esta é uma situação muito complicada. É um direito fundamental para o povo do Haiti encontrar ajuda da comunidade internacional. Mas a maneira como os estrangeiros dão ajuda é um pouco desumana. Em algumas localidades, a ajuda ainda não chegou. Algumas casas e escolas têm haitianos sob os escombros e não foram revisadas. A situação da saúde é complicada, com a decomposição dos corpos. A ajuda da comunidade internacional não está respeitando os direitos humanos.

Existe discriminação, pelo fato de o Haiti ter o rótulo de ;mais pobre das Américas;?
Creio que exista uma discriminação na cabeça dos estrangeiros, particularmente os americanos, os franceses, os canadenses e os brasileiros. A Bolívia e o Peru se solidarizam conosco de uma maneira mais prática. Isso pode ser constatado no modo com que os estrangeiros realizam suas intervenções.

De que modo o senhor vê o processo de adoção de crianças haitianas por parte de estrangeiros?
Penso que a adoção não é algo correto. Nossa organização integra a Coalizão contra o Tráfico de Mulheres e Crianças na América Latina e no Caribe. Temos lutado muito contra o tráfico de pessoas. Eu considero a adoção como uma artimanha dos americanos, franceses e canadenses.

; ONGs exigem fim de adoção

A onda de adoções de crianças haitianas que ficaram órfãs no terremoto de 12 de janeiro desencadeou uma série de críticas de organizações não governamentais. As entidades humanitárias Save the Children, Visão Mundial e a Cruz Vermelha Britânica defenderam que as autoridades do Haiti precisam se focar na tentativa de encontrar familiares dessas crianças para entregar-lhes os menores, antes de repassá-los a estrangeiros. ;Qualquer adoção precipitada colocaria em risco a ruptura permanente de famílias, provocando danos a longo prazo nas já vulneráveis crianças, e poderia desviar a atenção dos esforços de ajuda no Haiti;, informou um comunicado conjunto das agências, segundo a rede de TV norte-americana CNN.

Jasmine Whitbread, diretora-executiva do Save the Children, afirmou que a ;vasta maioria; das crianças no Haiti não são órfãs, mas apenas foram separadas de suas famílias, em meio ao caos. ;Os parentes delas podem estar vivos e ficarão desespeados para encontrá-las;, disse. ;Tirar uma criança do país separaria milhares delas de suas famílias ; uma separação que compreenderia um trauma agudo do qual elas já estão sofrendo e infligiria danos a longo prazo sobre suas chances de recuperação;, acrescentou a ativista.

Já a diretora-executiva do Visão Mundial considerou que o fluxo de novas adoções também poderia abrir as portas para os traficantes de crianças. De acordo com ela, a pobreza no Haiti torna as crianças ;extremamente vulneráveis; à exploração e ao abuso. ;Estamos preocupadas não apenas com as prematuras adoções internacionais, mas também com o fato de as crianças serem enviadas desacompanhadas para a República Dominicana;, alertou. Por sua vez, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, pela sigla em inglês) advertiu que a adoção de haitianos só pode ser considerada um último recurso.

; Holanda

Apesar dos temores e das advertências, 106 pequenos haitianos ; cujas idades variam de 6 meses a 7 anos ; desembarcaram ontem na base aérea de Eindhoven, na Alemanha, carregadas por soldados holandeses, e foram entregues aos pais adotivos. ;Cerca de duas horas e meia antes do pouso, elas comeram, ficaram cheias de energia e transformaram o avião em um parque de diversões;, brincou Macky Schouten, diretor da instituição de adoção NAS, citada pela agência de notícias Reuters. A assessora de imprensa da entidade Letje Vermut revelou que os novos pais estavam excitados para encontrar os filhos, mas também ansiosos com o estado dos menores. ;É um sentimento ambíguo;, disse Letje. ;Sorriso e lágrimas estavam muito próximos hoje.;

Das 106 crianças, 92 foram adotadas por casais holandeses e 14 por pais procedentes de Luxemburgo. Uma delas consegue falar um pouco de holandês, por ter recebido lições do idioma em um orfanato dirigido por holandeses. O Ministério da Justiça da Holanda confirmou ter acordado em acelerar a entrada dos haitianos.