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Buscas reforçadas

Voluntários enviados por 30 países enfrentam dificuldades no trabalho de resgate de sobreviventes e no tratamento aos 250 mil feridos

Foram três dias de desespero e caos nas ruas de Porto Príncipe até que ontem, finalmente, as equipes de resgate estrangeiras conseguiram enfrentar os escombros e intensificar as buscas por sobreviventes. Segundo o Departamento de Estado Norte-americano, 30 países, incluindo Brasil, Cuba, Rússia, Estados Unidos e França, enviaram voluntários para a difícil tarefa de encontrar vida na cidade devastada na última terça-feira por um terremoto de 7 graus na escala Richter. Mas a chegada dos socorristas trouxe alento à população haitiana, que começa a receber cuidados médicos.

Apesar dos esforços humanitários, as dificuldades são inúmeras. Em uma parte da cidade, efetivos brasileiros e dominicanos foram vistos com escavadeiras removendo escombros e corpos, e abrindo caminhos nas ruas completamente tomadas pelos destroços. Mas a maioria das equipes conta apenas com cães farejadores, pás e picaretas. A falta de transporte e de combustível também prejudica os esforços, e muitas estradas continuam bloqueadas. Os estrangeiros que atuam nas operações de salvamento relataram ainda que a insegurança constante e a falta de coordenação com as autoridades locais são grandes obstáculos.

Apesar de tudo isso, os voluntários correm contra o tempo para retirar com vida a maior quantidade possível de pessoas. Na quinta-feira, sob os destroços do Hotel Montana, socorristas franceses salvaram sete norte-americanos e uma haitiana, enquanto uma equipe dos Estados Unidos resgatou uma francesa. Richard Santos, um dos americanos que foram salvos, não conseguia acreditar no tempo que passou soterrado. "Fiquei 50 horas aqui dentro. Cinquenta horas", repetia, incrédulo, enquanto era atendido pelos médicos. Outros trinta haitianos foram salvos por voluntários franceses na cidade. Também foram localizados, ontem, 14 funcionários da Unesco, que não faziam contato desde o dia do terremoto. Em 24 horas de trabalho, uma equipe de dominicanos resgatou dos escombros 17 sobreviventes.

Atendimento
Quando ficam sabendo da presença dos voluntários estrangeiros, os haitianos levam feridos ao encontro deles. Alguns falam de escombros dos quais sairiam vozes, como uma escola, onde garantem que há sobreviventes. O desespero da população aumenta à medida que as horas passam e diminui a possibilidade de sobrevivência dos soterrados. Em uma casa, bombeiros da Califórnia tentavam resgatar duas mulheres vivas. Algumas horas depois, uma delas já não respondia. "Se souberem de algum lugar onde os haitianos escutam pessoas soterradas, por favor nos digam", apelava um deles.

Não bastassem as dificuldades no resgate, as equipes de ajuda humanitária enfrentam ainda problemas com atendimentos aos sobreviventes. Milhares de pessoas feridas no terremoto precisam urgentemente ser submetidas a cirurgias, segundo o porta-voz da organização Médicos Sem Fronteiras no Haiti, Stefano Zannini. A falta de abrigos e de condições adequadas para as operações tem preocupado os profissionais que estão lá. Para isso, são procurados centros de saúde que não foram afetados pelo terremoto em municípios próximos.

Ontem, os médicos da organização aguardavam a chegada de um hospital móvel, com duas salas de cirurgia, além de enfermeiros, cirurgiões e nefrologistas para tratar dos casos de esmagamento. Enquanto isso, os atendimentos eram feitos em tendas improvisadas. De acordo com o ministro haitiano de Saúde Pública, Alex Larsen, há 250 mil feridos por causa do terremoto.

Uma corrida contra o tempo

Tatiana Sabadini

Elas têm pouco tempo para receber ajuda. Uma pessoa pode ficar dias sem comer, mas bastam 72 horas para sentir as consequências da falta de água. Para a equipe de resgate, os minutos passam rápido demais, mas para quem está debaixo dos escombros de um terremoto, um segundo parece uma eternidade. Nos últimos dias, uma cena se repetiu no Haiti. Sem ajuda de bombeiros e especialistas, são as próprias vítimas do desastre que, até ontem, se armaram de luvas e coragem para resgatar sobreviventes ou mortos no que restou de prédios e casas.

De acordo com o coronel Paulo José Barbosa de Souza, vice-presidente para as Américas do grupo internacional de busca e resgate das Nações Unidas (ONU) e integrante do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, quando as equipes de resgate entrarem em ação tudo pode acontecer. "Existe a lógica e o inexplicável. Há casos em que demoramos 10 dias para achar pessoas vivas, mas em outros não temos a mesma sorte. O crucial está sempre na resposta imediata, no primeiro momento para que a probabilidade de sobrevivência seja maior", explica o militar que comanda o treinamento para situações como essa na América Latina.

Os bombeiros que saíram de Brasília e do Rio de Janeiro rumo a Porto Príncipe foram preparados para enfrentar uma situação extrema. Eles devem correr contra o tempo porque os primeiros cinco dias são cruciais, segundo Paulo José. A ação prioritária de todas as equipes de resgate consiste em fazer uma sinalização nas estruturas demolidas para tentar localizar sobreviventes.

Os militares devem usar aparelhos de escuta e cães farejadores em busca de algum sinal de vida. "O objetivo é buscar as vítimas, já temos três dias de terremoto e as vítimas superficiais foram atendidas pela polícia e militares. Agora, é preciso fazer um levantamento de carga e usar uma técnica de chamado na qual o bombeiro faz algum barulho para ter uma resposta da vítima", explica o coronel.

Riscos
Um dos perigos é a ocorrência de outro sismo da mesma magnitude, nos próximos dias. Uma força-tarefa com os outros países será organizada para acudir as vítimas. "Eles são treinados para trabalhar nessas circunstâncias. Essa equipe tem capacidade de nível intermediário e, em princípio, eles devem trabalhar por oito dias, e deve acontecer um rodízio com as equipes internacionais. A capacitação é padrão, feita pela ONU, só o que muda é o idioma", afirma Paulo José.

Segundo o coronel, as condições de resgate de sobreviventes no Haiti estão longe das ideais. Os primeiros socorros foram feitos por moradores e policiais. O país não tem um corpo de bombeiros ou pessoas treinadas para lidar com situações como essa. "O que aconteceu agora foi o mesmo que ocorreu na tragédia da Armênia em 88. As pessoas estavam despreparadas e muita gente morreu tentando resgatar vítimas. Por isso, precisamos de um pessoal treinado lá", comenta o especialista. No ano passado, quando um terremoto de menor escala atingiu uma escola em Porto Príncipe, 15 militares brasileiros da missão de paz fizeram um curso em Brasília.


"Existe a lógica e o inexplicável. Há casos em que demoramos 10 dias para achar pessoas vivas, mas em outros não temos a mesma sorte"
Coronel Paulo José Barbosa de Souza, vice-presidente para as Américas do grupo internacional de busca e resgate da ONU e integrante do Corpo de Bombeiros do DF