O sofrimento de moradores de Brasília aumentou com a mais recente lista dos militares brasileiros vítimas da tragédia no Haiti, divulgada ontem de manhã. Entre os quatro oficiais do Exército desaparecidos, três têm residência fixa no Distrito Federal. Nenhum havia sido encontrado até o fim da noite. Um deles, o coronel João Eliseu Souza Zanin, estaria sob os escombros do Hotel Montana, que desmoronou. No prédio, morava o comandante da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah), o general brasileiro Floriano Peixoto. Mas, no momento do terremoto, ele viajava pelos Estados Unidos.
Cely Zanin, mulher de Eliseu Zanin, manifestou sua dor publicamente. Por meio de carta endereçada à imprensa e deixada na guarita do prédio onde mora, na 102 Norte, ela pediu a todos que rezem pelo marido e os outros três militares desaparecidos. Cely tinha esperança em reencontrar o marido e os colegas de farda dele bem. ;A dor é grande, a angústia, sem fim, mas ainda tenho fé de que eles serão encontrados com vida e que voltarão para nossas famílias;, escreveu. Ela passou o dia trancada no apartamento funcional pertencente ao Exército e que abriga apenas famílias de coronéis.
Mas Cely Zanin não ficou só. Ainda pela manhã, o filho dela e do coronel desembarcou em Brasília, vindo de Campinas (SP), onde mora. Cely também contou com o apoio da filha, da mãe e do capelão do Colégio Militar de Brasília, o tenente Alessandro Correa Campos. O religioso a visitou durante a tarde. Ficou meia hora com a família. ;Vim para dar um apoio espiritual. Estão todos muito confiantes;, resumiu o padre, após deixar o apartamento dos Zanin. Os dois filhos do coronel deixaram recados para o pai no site de relacionamentos Orkut. ;Pai, aguenta mais um pouco, vão te resgatar!”, escreveu o rapaz, de 19 anos.
Antes de ir para o Haiti, o coronel Zanin trabalhava no gabinete do comandante do Exército Brasileiro, em Brasília, como o tenente-coronel Marcus Vinícius Macedo Cysneiros, outro morador do DF desaparecido. Cysneiros ocupa uma das casas da vila militar do Setor Militar Urbano (SMU). A residência estava fechada ontem. Amigos do tenente-coronel disseram que a mulher e as duas filhas dele se mudaram para o Rio de Janeiro no meio do ano passado, quando o oficial foi transferido para o Haiti.
Já o terceiro militar morador do DF dado como desaparecido, o major Francisco Adolfo Vianna Martins Filho, trabalhava no Departamento-Geral do Pessoal do Exército, também no SMU. Ninguém da família dele deu entrevista. O comando do Exército limitou-se a informar os nomes dos militares mortos e desaparecidos oficialmente. Sequer deu informações da carreira deles. Mas enviou oficiais à casa dos Zanin na tentativa de impedir o contato da imprensa com eles, os militares da quadra e seus parentes.
Sem informações
A falta de informações do Exército tem deixado angustiados os familiares de militares da missão de paz no Haiti. ;Fui ao ministério da Defesa, ao QG, ao Itamaraty. Já estive em todo lugar que você possa pensar. Mas ninguém me deu notícia do meu filho. Não aguento mais, eu estou morrendo;, desabafou o juiz arbitral Admilson dos Santos Neiva, 59 anos. Ele é pai do tenente da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Cleiton Batista Neiva, 33 anos, integrante da Minustah. Até a noite de ontem, Cleiton estava fora da lista oficial de desaparecidos no Haiti. Mas ele não havia dado sinal de vida a nenhum parente ou amigo.
A mãe, de 60 anos e moradora de Ceilândia, e o pai, residente em Águas Lindas (GO), passaram mais um dia à base de remédios. Amparados por vizinhos e familiares, tentaram, por meio de dezenas de telefonemas, obter alguma informação do rapaz, que há cinco anos mora na ilha caribenha. O sofrimento aumentou na madrugada, quando a mulher do militar brasileiro ligou. ;Ela me ligou às 2h, chorando muito. Disse que estava com o meu netinho em um local seguro, mas não sabia nada sobre o Cleiton. Ele é um rapaz muito cuidadoso, muito apegado ao filho. Jamais ficaria longe da família, sem dar notícia;, contou, também chorando, o pai do militar brasileiro. ;Por favor, me ajude a encontrar o meu filho;, implorou, ao telefone.
Cleiton foi para o Haiti em 2004 como integrante da polícia internacional do país, cedido pela PMDF. Mesmo após o fim da missão, ele decidiu continuar na ilha. Por isso, licenciou-se da polícia brasiliense. Virou membro do contingente da ONU. No Haiti, casou-se com a jornalista austríaca Irene Hoegl;nger, que também presta serviços às Nações Unidas. Yannick, o filho do casal, nasceu em 2008. Como Hoegl;nger não havia conseguido férias para este mês, Cleiton viria a Brasília na próxima semana apenas com Yannick, até que ela pudesse vir reencontrá-los. ;Até pintei a minha casa toda para receber o meu netinho, que é alérgico;, comentou a mãe de Cleiton, a dona de casa Maria Batista Neiva. Como o Exército, a PMDF não se pronunciou sobre Cleiton.
Um morto
Dos 14 militares brasileiros mortos, o único morador de Brasília é o tenente-coronel Emílio Carlos Torres dos Santos. Na capital, ele residia com a família em um apartamento funcional do Exército, na 103 Norte. A mulher, uma médica, e as filhas, uma de 7 anos e a outra adolescente, souberam da morte do marido e pai na tarde de quarta-feira, em um hotel fazenda do estado do Rio de Janeiro, onde estavam de férias. Nenhuma voltou ao DF.
Desespero e alívio no Cruzeiro
Informações desencontradas levaram ao desespero a comerciante Elvas Pereira da Silva, 39 anos, moradora do Cruzeiro Velho, onde mantém um quiosque de comida e bebidas. Até o começo da tarde de ontem, ela pensava que o marido estava ferido no Haiti. ;Era o que havia contado a mulher de outro militar, que também está na missão de paz. Como o Exército e o Itamaraty não respondiam às minhas perguntas e eu não conseguia ver meu marido pelo computador, acreditava no que os outros diziam;, explicou, logo após saber, por meio de um dos três filhos, que o marido havia entrado em contato pelo Skype, programa de voz e vídeo da internet.
O marido de Elvas, o sargento Raimundo Nonato Teodório Silva, 43 anos, está no Haiti desde julho. Voltaria em definitivo para o Brasil no dia 23. Elvas soube do terremoto na noite de terça-feira, por meio da TV, quando trabalhava no quiosque. O marido ligou para ela na primeira hora do dia seguinte, mas, devido aos problemas de comunicação no país devastado, eles conversaram por menos de dois minutos. ;Não conseguia ouvi-lo direito. Enlouqueci. Passei o dia seguinte tentando falar com ele e buscando informações no Exército e no Itamaraty. Mas só disseram que ele não estavam entre os mortos ou desaparecidos;, contou a mulher.
O alívio veio por volta das 17h de ontem, quando um dos filhos dela, Raphael Pereira da Silva, 19 anos, conseguiu falar com o padrasto pelo Skype. ;Eu também estava muito preocupado, nem dormi. O Teodório é um pai para mim;, comentou o rapaz. ;Ele disse estar tudo bem, que estava na base no momento do terremoto e, lá, nada de grave aconteceu. Mas estava triste pelos haitianos. Contou ter visto muitos corpos;, relatou Raphael. Agora, ele e a mãe aguardam o retorno, o mais breve possível, do militar. Mas o Exército não fala em previsão de volta dos homens e das mulheres sobreviventes da tragédia (RA).
Sem notícias da terra natal
Funcionária da embaixada haitiana no Brasil há cinco anos, Norma Cooper está desolada com a falta de notícias sobre os parentes na terra natal. ;Aqui na embaixada, estamos desesperados. Não só pela nossa família, mas também queremos e precisamos saber da situação do Haiti;, desabafou. Ela tem irmãs, tios, sobrinhos e primos em Porto Príncipe, capital do país. ;Consegui falar com a minha irmã na quarta-feira pela manhã. Mas, antes mesmo que pudesse perguntar pelo restante da família, a ligação caiu e não consegui mais entrar em contato;, contou.