[SAIBAMAIS]Dos militares mortos, o único morador de Brasília é o tenente-coronel Emílio Carlos Torres dos Santos. Na capital, ele vivia com a família em um apartamento do Exército, na Asa Norte. A mulher e as filhas, uma de 7 anos e a outra adolescente, souberam da morte do marido e pai na tarde de ontem, em um hotel-fazenda do Rio de Janeiro, onde curtiam férias. Emílio retornaria ao Brasil na próxima semana.
O tenente-coronel mudou-se para o DF há um ano, após deixar o comando do 26; Batalhão de Paraquedistas, no RJ, para trabalhar no gabinete do comandante do Exército, na capital do país. Essa era a segunda missão de Emílio no Haiti. A primeira foi em 2005. Agora, trabalhava como assistente do general Floriano Peixoto, comandante das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Ninguém foi encontrado no apartamento de Emílio ontem.
Já em uma casa de Ceilândia, cada vez que o telefone tocava, disparava o coração de Maria Batista Neiva, 60 anos, num misto de medo e esperança. Ela esperava notícias do filho, o tenente da Polícia Militar brasiliense (PMDF) Cleiton Batista Neiva, 33, integrante da força da ONU no Haiti. ;Falei com ele poucas horas antes do abalo. Voltaria ao Brasil no fim do mês, por isso fez muitos planos, brincou e me fez ouvir a voz do meu neto;, contou Maria Neiva. A criança tem 1 ano e meio.
Cleiton mora no Haiti desde 2004, quando foi integrar a polícia internacional do país, cedido pela PMDF. Mesmo após o fim de sua missão, decidiu continuar na ilha. Por isso, licenciou-se da polícia brasiliense. Virou membro do contingente da ONU. No Haiti, casou-se com a jornalista austríaca Irene Hoegl;nger, que também trabalha para as Nações Unidas. Como Hoegl;nger não havia conseguido férias para este mês, Cleiton viria a Brasília apenas com o menino até que ela pudesse vir reencontrá-los. Mas a família retornaria ao Haiti.
Esperança
Maria Neiva diz que o filho é apaixonado pelo povo haitiano. ;Ele fala da pobreza de lá, de como as pessoas precisavam de ajuda, mas também de como é um povo alegre, que o recebeu muito bem;, contou a mãe. Essa foi a segunda catástrofe natural que Cleiton enfrentou no Haiti. Em setembro de 2008, o furacão Hanna atingiu Gonaives, quarta maior cidade do país e onde o brasiliense residia na época. Por sorte, ele a família estavam de férias em outra cidade. ;Quando ligaram e avisaram o que estava acontecendo, ele não pensou duas vezes: pegou suas coisas e voltou para Gonaives para ajudar na reconstrução da cidade;, lembrou Maria Neiva.
A mãe do tenente acredita que a história do filho mais velho terá um desfecho semelhante e igualmente feliz. ;Acho que, como da outra vez, ele está lá ajudando as pessoas, reconstruindo a cidade. Daqui a pouco, o telefone toca e será ele avisando que está tudo bem e dizendo que não ligou antes porque tinha muito trabalho;, concluiu Maria Neiva. Amigo e colega de farda de Cleiton, o também tenente da PMDF Sérgio Carreira, 31 anos, garantiu ao Correio ter recebido a informação de colegas no Haiti, ontem à tarde, de que a mulher e o filho do militar brasileiro estavam ;vivos e em local seguro;. Mas, sobre Cleiton, ninguém disse nada.
Mesmo em férias numa praia de Pernambuco, Carreira tenta ajudar os parentes dos militares em serviço no Haiti. Ele faz contatos com os militares da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah), da qual fez parte em 2007. Assim que sabe do paradeiro de um militar, digita a informação em seu blog, dedicado às missões de paz. ;Meu papel é tentar tranquilizar os familiares, sem causar constrangimentos, por isso não cito nomes de desaparecidos;, ressaltou. Ele trabalhou um ano no prédio da ONU em Porto Príncipe, que veio abaixo no terremoto.
"Acho que, como da outra vez, ele está lá ajudando as pessoas, reconstruindo a cidade. Daqui a pouco, o telefone toca e será ele avisando que está tudo bem e dizendo que não ligou antes porque tinha muito trabalho a fazer"
Maria Batista Neiva, 60 anos, mãe do tenente da PMDF Cleiton Batista Neiva, 33, um dos brasileiros da força da ONU no HaitiAlívio depois de cinco horas
Moradora do Cruzeiro Novo, Lucimeire Gomes da Silva, 44 anos, só conseguiu dormir após as 2h de ontem, quando recebeu uma mensagem do marido, o sargento do Exército Edberto da Silva, 47. Lucimeire tentava falar com ele desde as 20h30 de terça-feira, quando soube do terremoto no Haiti, onde o marido está a serviço da ONU. ;Corri para o computador e deixei uma mensagem para que me retornasse o mais breve possível;, contou a mulher. O retorno veio na madrugada. O casal conversou por três minutos, por meio de um programa de voz e vídeo da internet.
Edberto fez de tudo para tranquilizar a mulher e as duas filhas, de 22 e 24 anos. ;Ele disse que na base dele, onde funciona a engenharia do Exército, estava tudo bem. Ninguém havia se ferido. Apenas pediu para que orássemos muito pelo povo haitiano;, relatou Lucimeire. Ela atendeu imediatamente o pedido do marido, com quem falou novamente pela internet às 9h de ontem. Lucimeire passou a ligar para mulheres e noivas de outros militares no Haiti para saber como todos estavam e organizar um grupo de oração. A volta de Edberto ao Brasil estava marcada para o dia 29 próximo. ;Estou conformada com a possibilidade de ele continuar lá por mais tempo. Temos muito orgulho do serviço que ele e o Exército brasileiro prestam no Haiti;, frisou a mulher do militar.
Tensão no Lago Norte
Outra família brasiliense também viveu noite e madrugada de tensão. No Lago Norte, os pais e irmãos de Dennel Pinheiro Pisco, 28 anos, aguardavam notícias do sargento do Exército. Ele participa da missão no Haiti desde julho de 2009. O telefonema que tranquilizou a família veio para o irmão mais novo por volta das 11h de ontem. ;Foi tudo muito rápido. Ele falou que estava bem, mas que certamente não conseguiria entrar em contato no próximos dias, já que estaria trabalhando no socorro às vítimas;, contou Donne Pisco, 27, irmão de Dennel. Donne repassou o recado aos parentes.
;Agora, a gente fica mais tranquilo de saber que estava tudo bem. Mas antes de ele entrar em contato com o irmão, ficamos muito aflitos;, afirmou o pai do militar, o maestro Ayrton Pisco, 52 anos. Dennel Pisco é outro que se preparava para voltar ao Brasil até o fim do mês. Não escondia a saudade da mulher, Daniele, e da filha, Neuza, 4 anos. Ambas moram em Goiânia, para onde ele havia sido transferido recentemente. (RA)
O número
1.266 militares - Contingente do Exército brasileiro no Haiti. A instituição não informou quantos são do DF