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Ameaça de atentados fecha mais três embaixadas no Iêmen

Militantes islâmicos aproveitam falta de controle do governo para operar

Na noite do último domingo, o iemenita Ahmed Al-Gorashi, 37 anos, foi parado em dois postos de controle quando retornava para sua casa. O jornalista e ativista de direitos humanos vive no bairro de Alhasabah - região norte de Sanaa -, a apenas 3km da Embaixada dos Estados Unidos. "Ao longo da última semana, a capital e várias cidades do Iêmen presenciaram uma proliferação de medidas de segurança sem precedentes. Especialmente depois que aviões norte-americanos bombardearam posições da rede Al-Qaeda na província de Abyan", afirmou ao Correio, pela internet. "Os policiais me interrogaram durante 15 minutos. Isso nos deixa amedrontados", acrescentou. As embaixadas da França, da República Tcheca e do Japão decidiram seguir o exemplo das representações diplomáticas norte-americana e britânica e fecharam ontem suas portas na capital iemenita, após receberem ameaças de atentados contra seus interesses na Península Arábica. O chanceler italiano, Franco Fratinni, defendeu uma "ação coordenada" da União Europeia no Iêmen. Ahmed contou à reportagem que não sentia tamanho desconforto desde 2006, quando o presidente Ali Abdullah Saleh acusou a Al-Qaeda de apoiar o candidato da oposição, Faisal bin Shamlan. Uma jogada política para conquistar a reeleição.

Durante a invasão soviética ao Afeganistão (1979-1989), Saleh já havia transformado o Iêmen em um celeiro de mujahedin (guerrilheiros islâmicos). "Tínhamos campos de treinamento e exportávamos voluntários árabes para o Afeganistão. Tudo em consonância com o governo dos EUA", afirmou Ahmed. Segundo o jornalista, Saleh se comprometeu a apoiar os ex-combatentes com abrigo e emprego. "Ele arrumou trabalho para alguns membros da Al-Qaeda, como parte de sua reintegração à sociedade. Muitos líderes da rede também ganharam empregos no governo, no Exército, na polícia e na sociedade civil." O mesmo presidente que tentou jogar com o terror a seu favor agora busca se livrar do câncer que ameaça sua própria sobrevivência.

Em entrevista ao Correio, Magnus Ranstorp, diretor de pesquisa do Centro para Estudos de Ameaças Assimétricas do Colégio de Defesa Nacional Sueco, admitiu que a organização Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) prospera no Iêmen graças à instabilidade política. "Ela trabalha com clãs selecionados em províncias do país, se aliou à insurreição do sul e abertamente conclama pela deposição do regime de Saleh", explicou. "O principal problema é que o Iêmen precisa achar um sucessor de Saleh até 2013, quando encerra seu mandato. Isso pode anunciar uma grande instabilidade política, já que o país deve esgotar seu estoque de petróleo até 2017", acrescentou. O petróleo responde por pelo menos 70% do Produto Interno Bruto (PIB) iemenita. Não bastasse essa ameaça à economia, Saleh não consegue controlar mais de 60% de seu próprio território.

Ajuda
De acordo com Ranstorp, o Iêmen recebe dos Estados Unidos cerca de US$ 70 milhões anuais para apoiar a guerra antiterrorismo. "O país é palco de missões secretas, com o uso de aviões-espiões e operações de inteligência. Também adotou um programa de reabilitação semelhante ao da Arábia Saudita, relativamente mal-sucedido. Além disso, 42% de todos os detentos de Guantánamo são iemenitas", lembrou, ao afirmar que essa situação remete à miséria e à falta de desenvolvimento, combinadas com as políticas tribais. O analista sueco acredita que o combate à rede Al-Qaeda mudou-se da fronteira afegã-paquistanesa ao Iêmen. "Há um novo corredor, com o Iêmen e a Somália formando o eixo central", observa.

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, garantiu que os EUA reabrirão a embaixada em Sanaa "quando as condições de segurança permitirem". No entanto, Ahmed Al-Gorashi contou ao Correio que no Iêmen já circula uma versão de que a representação ficará permanentemente fechada. Uma notícia divulgada pelo jornal britânico The Daily Telegraph deu ontem o tom do descontrole do governo iemenita. Militantes dirigindo seis caminhões repletos de explosivos teriam burlado a segurança e entrado em Sanaa. "O mais provável estilo de ataque no futuro será algo semelhante ao que ocorreu em Mumbai: um atentado múltiplo, sincronizado e de duração prolongada", opina Ranstorp.

Perpétua para Moussaoui
Um tribunal de apelações dos Estados Unidos confirmou a pena de prisão perpétua para o franco-marroquino Zacarias Moussaoui, por cumplicidade nos atentados de 11 de setembro de 2001. Moussaoui havia sido condenado à prisão perpétua em 2006, por um tribunal federal na Virgínia, com pena confirmada em janeiro de 2008. Preso semanas antes dos ataques do 11 de Setembro, contra Nova York e Washington, Moussaoui afirmou ser membro da rede terrorista Al-Qaeda e se declarou culpado, em abril de 2005, de cumplicidade nos atentados que mataram quase 3 mil pessoas.

; Para saber mais
Estado fictício

Uma estrutura sociopolítica complexa e as interferências externas recorrentes ajudam a entender por que o Iêmen se tornou presa fácil para o extremismo islâmico na última década. Unificado apenas em 1990, depois de séculos de dominação colonial (turca e britânica) e de uma separação forçada pela Guerra Fria, o país permanece dividido em vários planos. Entre as regiões costeiras e urbanas do norte, com tradição monárquica, e as áreas rurais do sul e leste, onde prevalece a autoridade dos chefes de tribos e clãs; entre as lideranças políticas dos antigos Iêmen do Norte (pró-saudita) e do Sul (socialista e pró-soviético); entre os muçulmanos sunitas (dominantes) e uma aguerrida minoria xiita.

O atual presidente, Ali Abdullah Saleh, governou o Iêmen do Norte desde 1978, quando assumiu como coronel o comando do regime republicano instaurado por militares em 1962. Foi eleito formalmente em 1988 e confirmado no poder após a unificação, tendo como segundo na hierarquia um primeiro-ministro sul-iemenita. A fórmula, porém, não satisfez plenamente os sulistas, que tentaram novamente a separação em 1994.

Nesse quadro, os chefes de clãs continuam exercendo autoridade em vastas regiões. Muitas vezes, eles contam com retaguarda da vizinha Arábia Saudita, empenhada em dificultar a consolidação de um Estado centralizado. Este, por sua vez, recorre com frequência à manipulação das disputas tribais para reforçar sua autoridade. Como resultado, o país tornou-se palco de uma onda de sequestros de estrangeiros, sem falar na presença de rebeldes xiitas que mantêm constante pressão sobre a autoridade central.