Dez meses depois de as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) libertarem o último político em seu poder, o grupo é suspeito de sequestrar e assassinar o governador de Caquetá, Luis Francisco Cuéllar. Na noite de segunda-feira, o governador foi levado de sua casa, no centro de Florencia, capital do departamento (estado), por mais de 15 homens vestidos com uniformes do Exército Nacional. No fim da noite de ontem, as autoridades encontraram o corpo, a 15km da residência de Cuéllar. Segundo o jornal El Espectador, o cadáver - com marcas de tiros e rodeado por explosivos - estava perto do local onde foi achado o carro incinerado usado no sequestro. "Efetivamente, corresponde ao senhor governador", afirmou Edilberto Ramón Endo, secretário de governo de Caquetá, à rádio RCN. Ele atribuiu a informação a uma "fonte primária presente no local".
Horas antes, o presidente colombiano, Alvaro Uribe, havia ordenado às forças militares que resgatassem Cuéllar e os 24 soldados que a guerrilha mantém em cativeiro - alguns há mais de 10 anos. "Não podemos continuar dependendo dos caprichos dos terroristas", decretou Uribe.
O presidente colombiano, que nos últimos sete anos travou uma dura batalha contra a guerrilha e o narcotráfico no país, acusou as Farc pelo rapto. "Quem o sequestrou? Os mesmos bandidos que querem fazer da libertação dos outros sequestrados um show", afirmou, referindo-se ao grupo, que anuncia, desde abril, a libertação dos 24 militares. No início da tarde, o governo chegara a afirmar, por nota, que "a integridade e a vida do senhor governador eram de inteira responsabilidade da organização narcoterrorista das Farc, em particular, da coluna móvel Teófilo Forero". Uribe também pediu às Forças Armadas que fizessem "todos os esforços para resgatar o governador e outros sequestrados que estejam em poder esses bandidos".
O resgate de Luis Francisco Cuéllar passou a ser prioridade para Uribe. Tanto que seu ministro da Defesa, Gabriel Silva, viajou para o departamento no sudoeste do país ao ser informado do sequestro e anunciou uma recompensa de até 1 bilhão de pesos (cerca de R$ 870 mil) por qualquer informação que levasse ao governador. Silva afirmou que as autoridades estavam em alerta "há dias" sobre um possível ataque terrorista, já que Cuéllar recebia diversas ameaças. "Estávamos trabalhando com informação da inteligência sobre ações de perturbação em Florencia. Todos os dias, o Exército e a polícia se reuniam para discutir como enfrentar a situação", disse Silva.
Segundo o ministro do Interior, Fabio Valencia Cossio, Cuéllar tinha à disposição oito homens armados - seis policiais e dois seguranças privados. A mulher do governador, Imelda, no entanto, afirmou que, por muitas vezes, apenas um policial vigiava a casa durante a noite. De qualquer modo, a segurança oferecida pelo Estado não conseguiu evitar o rapto.
De pijama
Por volta das 22h de segunda-feira (1h de ontem em Brasília), homens fardados lançaram uma granada contra a casa de Cuéllar, e, em seguida, iniciaram uma troca de tiros com os seguranças. Um policial que fazia a escolta do governador morreu e dois ficaram feridos. "Cuéllar já estava na cama, quando escutamos a explosão, e ele disse para que eu me jogasse no chão", narrou Imelda ao jornal El Tiempo. Dois homens entraram na casa e arrastaram o político, que foi levado "de pijama e descalço". A polícia fez buscas na região durante a madrugada. A 15km de Florencia, encontrou os uniformes que os captores vestiam.
Além do ministro da Defesa, viajaram à capital de Caquetá o diretor da Polícia nacional, Óscar Naranjo, e o comandante da Forças Armadas, general Freddy Padilla de León, para coordenar de perto as operações de busca. Na tarde de ontem, o governo publicou uma nota em seu site informando que 10 aviões da Força Aérea, do Exército e da polícia, bem como "homens especializados", já estavam atuando na região. A localização do corpo, por volta das 21h45 de ontem (hora de Brasília), desmobilizou o operativo e deve lançar uma nova estratégia de combate às Farc. A ação da guerrilha foi uma das mais ousadas dos últimos anos.
Reféns importantes
Por vários anos, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) sequestraram figuras públicas como forma de pressão contra o governo. A política refém mais conhecida foi a então senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt, capturada em fevereiro de 2002 e libertada em julho do ano passado. Em 5 de fevereiro deste ano, o ex-deputado Sigifredo López, sequestrado em abril de 2002, foi o último político em poder das Farc a ser solto. Se for confirmado que o rapto do governador de Caquetá, Luis Francisco Cuéllar, foi ação do mesmo grupo, fica caracterizada uma retomada desse tipo de prática, suspensa por sete anos, pelos guerrilheiros.
"Presente" de aniversário
O governador de Caquetá, Luis Francisco Cuéllar, foi sequestrado na noite de segunda-feira, às vésperas do seu aniversário de 69 anos. Segundo sua mulher, Imelda Galindo, que intercedeu ontem por sua vida, o político estava com a saúde muito debilitada, com problemas na perna esquerda e na coluna. Esta, no entanto, não foi a primeira vez que Cuéllar sofreu um sequestro. Antes de se tornar governador, o conhecido pecuarista foi feito refém outras quatro vezes, sempre pelas Farc - a primeira delas em maio de 1990, quando foi levado junto com a mulher. "Não é possível que não haja outra pessoa para ser sequestrada do que Luiz Francisco", desabafou Imelda, na manhã de ontem.
Análise da notícia
Guerra é política
Silvio Queiroz
Muitos observadores já traçaram paralelos entre o conflito colombiano e as guerras civis africanas, principalmente pela degradação dos métodos de travar a guerra, pela desumanização dos adversários e pela utilização ostensiva da população civil como alvo ou escudo. Mas o sequestro do governador de Caquetá pelas Farc remete mais diretamente ao Afeganistão: por cima das diferenças e distâncias entre os dois países, a lição reafirmada é de que conflitos com raízes políticas e sociais não se decidem apenas pela via militar.
Assim como os talibãs afegãos, de quem se distingue por qualquer parâmetro ideológico que se escolha, a guerrilha colombiana foi dada como irremediavelmente vencida pelo Estado, nos últimos anos, sob a esmagadora superioridade bélica movida contra ela pelo presidente Álvaro Uribe. Em ambos os casos, porém, o tempo encarregou-se de demonstrar que - como ensinava o general prussiano Carl von Clausewitz - a guerra sempre se subordina à política.
Na Colômbia, como no Afeganistão e no Iraque, a propaganda é uma frente de combate, mas as ações no campo de batalha é que dão a última palavra. Depois dos amargos reveses sofridos na primeira metade de 2008, quando perderam seu fundador, Manuel Tirofijo Marulanda, outros dois integrantes do alto comando e seus reféns políticos mais ilustres - Ingrid Betancourt e três mercenários americanos -, as Farc voltam a acossar o poder público nas áreas rurais, em um arco que se estende de sudoeste a sudeste, apontando na direção de Bogotá e Cali.
O sequestro do governador e os repetidos ataques a unidades militares e autoridades civis, sem falar na ressurgência da criminalidade em Medellín e outras grandes cidades, colocam em xeque a Segurança Democrática de Uribe. Guerra ou paz será, mais uma vez, o tema central da campanha às eleições de maio próximo, em que o presidente almeja conquistar o terceiro mandato consecutivo.