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Símbolo nazista é levado de Auschwitz

Roubo de arco sobre portões do campo de concentração revolta sobreviventes do Holocausto

Foi por meio do Correio Braziliense que a romena Eva Mozes Kor, 76 anos, soube que um dos resquícios de sua infância de horror tinha sido roubado na madrugada de ontem. ;O arco na entrada de Auschwitz (sul da Polônia) tem sido parte integral do campo de concentração e um símbolo histórico do trágico passado que ensinou gerações de visitantes sobre a mente bizarra dos nazistas;, afirmou, por e-mail.

Eva foi obrigada a passar debaixo dele por pelo menos seis vezes por semana, no caminho que ligava as instalações dos judeus aos laboratórios do médico Josef Mengele. Para ela, cruzar o pórtico com a inscrição ;Arbeit macht frei; (;O trabalho liberta;, em alemão;) era o mesmo que dar passos largos rumo à morte. ;Cheguei a Auschwitz em maio de 1944, com meus pais, duas irmãs mais velhas e Miriam, minha irmã gêmea;, contou. ;Apenas ela e eu sobrevivemos porque éramos usadas por Mengele para receber injeções de germes letais. Consegui me manter viva; Resistimos à inanição, ao frio, às doenças, à marcha da morte, para descobrir que nenhum de nossos parentes havia sobrevivido. Perdi 117 membros de minha família, mortos pelos nazistas.;

Quando os soviéticos alcançaram os portões de Auschwitz, em 27 de janeiro de 1945, Eva já não era mais uma criança, apesar de seus 11 anos. ;Os 270 dias no campo levaram embora minha família, minha infância, minha saúde e minha inocência;, lamentou. ;Auschwitz me ensinou que posso sobreviver a qualquer coisa e que sou mais forte que Hitler, mais forte que Mengele, mais forte que o mal;, desabafou a sobrevivente. Para ela, o arco era um dos símbolos mais importantes do Holocausto. ;Não creio que o roubo detenha a memória do Holocausto, mas esse é um ato desconcertante e passível de punição.;

Detalhes do crime que revoltou a comunidade judaica mundial foram revelados pela polícia. A inscrição em ferro, com 40kg e 5m de comprimento, foi desparafusada e arrancada pelo outro lado da cerca, entre 3h30 e 5h de ontem (hora local). ;O ato premeditado envolveu várias pessoas;, disse Agnieszka Szczygie, porta-voz da polícia. Por e-mail, Pawel Sawicki, assessor de imprensa do Museu Estadual de Auschwitz-Birkenau, não escondeu a repulsa. ;A única palavra que vem à minha mente é ;profanação;. Isso é uma ofensa contra todas as vítimas de Auschwitz e à memória daqueles homens, mulheres e crianças assassinados e de todos os sobreviventes ; judeus, poloneses, romanos, prisioneiros de guerra soviéticos e outras pessoas de diferentes nacionalidades. É realmente difícil expressar com palavras o que sentimos esta manhã.;

[SAIBAMAIS]

Réplica
De acordo com Sawicki, a inscrição ;Arbeit macht frei; representa o cinismo do sistema nazista. ;As pessoas eram forçadas a trabalhar no campo não para serem libertadas, mas para serem desumanizadas, abusadas e assassinadas;, lembrou. ;Colocamos uma réplica no topo do portão. Ela tem sido preparada para substituir a original quando foi necessário um trabalho de reformação.;

O húngaro Gábor Hirsch, 80 anos, desembarcou em Auschwitz II em 29 de junho de 1944. ;As fases mais difíceis que enfrentei lá foram quando me separaram de minha mãe e quando havia as repetidas seleções no campo;, descreveu. Os nazistas escolhiam quem morreria nas câmaras de gás ou executados com tiros. ;Durante todo o tempo que estive lá, vi a inscrição somente após a liberação de Auschwitz e durante uma visita que fiz ao local, na década de 1990;, disse ao Correio. Ele acha que o roubo é um ;crime contra todas as ex-vítimas da política nazista;. ;Para os internos de Auschwitz, ele é, provavelmente, o mais importante símbolo para lembrá-los de seus sofrimento.;

O presidente de Israel, Shimon Peres, pediu à Polônia que use todos os meios para capturar os ladrões. ;O símbolo tem um profundo significado histórico para a nação judaica e para o mundo. Serve como memorial para mais de um 1 milhão de judeus exterminados em Auschwitz;, declarou.