O novo "número 1" da diplomacia norte-americana para o continente chegou a Brasília disposto a pôr panos quentes sobre qualquer sinal de desconforto na relação entre os dois países. Após se encontrar com o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, o subsecretário de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, minimizou as divergências entre Brasil e Estados Unidos sobre Honduras e Irã, destacando que Washington também espera que o deposto Manuel Zelaya "consiga sair logo" da embaixada brasileira, "ainda como presidente de Honduras", e saudou "os esforços brasileiros em pressionar o Irã" para que cumpra com suas obrigações internacionais.
O subsecretário, que assumiu há pouco mais de um mês o posto deixado pelo futuro embaixador no Brasil, Tom Shannon, afirmou que ficou "impressionado" com o quanto os dois países têm em comum, apesar de "alguns desentendimentos". "Atualmente, o que vemos é um comprometimento dos dois governos em continuar o diálogo", disse Valenzuela. Como parte do esforço em demonstrar que os dois países estão mais em sintonia do que muitos supõem sobre temas como Honduras, o diplomata fez questão de "deixar bem clara" a posição de Washington.
"Um golpe de Estado não pode ser tolerado em nenhum país na América. E ele cria um precedente que é muito infeliz em um continente que, no passado, foi tão prejudicado pela interrupção da democracia", afirmou, lembrando que o os EUA condenaram o golpe e depois "se uniram a todos os países do continente para suspender Honduras da OEA (Organização dos Estados Americanos)".
Segundo Valenzuela, o governo Obama - assim como outros da região - resolveu apoiar a eleição no país centro-americano depois que o acordo de San José foi assinado por representantes de Zelaya e do presidente de fato, Roberto Micheletti. O subsecretário, contudo, revelou que seu governo ficou "preocupado" com a possibilidade de "violações dos direitos humanos, intimidação e com o fato de a imprensa não estar completamente livre (para trabalhar)".
O alto diplomata disse que os EUA consideram que a "eleição é um passo necessário para uma solução, mas não é o suficiente" para resolver o problema de Honduras. "Seria preciso colocar em prática outros pontos do acordo, como a criação de um governo de união nacional, que tenha a participação dos dois lados, e a determinação sobre a restituição do presidente Zelaya" - o que não garantiria, necessariamente, a volta do presidente deposto.
Salvo-conduto
Garcia, por sua vez, disse que Brasil e EUA concordam sobre a necessidade de que seja concedido "um salvo-conduto ou outro instrumento que permita ao presidente Zelaya ir adiante". "Nós achamos que o presidente Micheletti deve partir, é o primeiro passo importante", afirmou o assessor do presidente Lula. Ele, porém, diferenciou as posições dos dois países sobre as eleições (1) do último mês. "Os Estados Unidos acreditam que a eleição pode criar um cenário favorável", destacou, acrescentando que os dois representantes acertaram que os dois governos ficarão em "contato permanente" para debater o tema.
O assessor de Lula também negou que as relações bilaterais estejam abaladas pelas discordâncias em temas que vão do Irã às bases militares (2) cedidas aos EUA na Colômbia. "As relações não estiveram ruins nunca. Elas estavam boas já no governo (George W.) Bush e passaram por um upgrade com a eleição do presidente Obama", disse. Um dia antes de o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, visitar o Brasil, Obama enviou uma carta ao colega brasileiro na qual abordava o programa nuclear de Teerã e a situação de Honduras. A ação foi vista como uma evidência de desentendimento entre os dois governos. No Itamaraty, Valenzuela foi recebido pelo secretário-geral, Antonio Patriota. Mais tarde, encontrou-se com o ministro da Defesa, Nelson Jobim. De Brasília, o subsecretário seguiu, ainda na noite de ontem, para Buenos Aires. Ele visitará também Montevidéu e Assunção nesta semana.
1 - Desprendimento
O presidente eleito de Honduras, Porfirio Lobo, afirmou que, para resolver a crise política no país, é preciso "total desprendimento" do presidente interino, Roberto Micheletti, e do líder deposto, Manuel Zelaya. Sem especificar o que seria "desprendimento", Lobo disse, na última semana, que a comunidade internacional considera que Micheletti deve renunciar. O presidente interino reiterou que Zelaya pode deixar o país "quando quiser", contanto que seja como asilado político.
2 - Carta para amenizar
Dias antes da reunião de Ministros das Relações Exteriores e da Defesa da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), realizada em Quito, os secretários norte-americanos de Defesa, Robert Gates, e de Estado, Hillary Clinton, enviaram carta aos colegas da região para garantir, mais uma vez, que as operações dos EUA a partir das bases militares cedidas pela Colômbia vão se restringir apenas ao território do país aliado.
Defesa do Brasil
O subsecretário de Estado Arturo Valenzuela tentou amenizar também as duras declarações da secretária Hillary Clinton sobre as relações de países da região com o Irã, proferidas em um discurso na última semana. Segundo o diplomata, a "advertência" dada aos países que "flertam" com Teerã não foi direcionada ao Brasil. Há pouco menos de um mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o colega, Mahmud Ahmadinejad, com honras de chefe de Estado em Brasília. "As pessoas podem ter interpretado de forma diferente o que a secretária quis dizer. Foi um comentário geral", garantiu. "O Brasil é um Estado soberano e tem o direito de ter relações com qualquer país", completou.
Segundo Valenzuela, ele ficou "feliz" de ouvir do assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que o Brasil "pressionou" Teerã a atuar em conformidade com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). "Os EUA vão continuar encorajando os países a pressionar o Irã para que cumpra com suas obrigações internacionais", disse o subsecretário. O representante americano declarou que a política de Washington é criar um canal para dialogar com o Irã.
"Quando o presidente Obama assumiu, deixou claro que seu governo manteria uma porta aberta para dialogar. Essa não é a hora de voltar atrás no nosso compromisso. Entretanto, é indispensável que o Irã entenda as responsabilidades que tem internacionalmente, especialmente em relação à AIEA e ao Conselho de Segurança da ONU", afirmou.
Suspeita
Ontem, o jornal britânico The Times revelou que o Irã atualmente trabalha em um componente-chave para a fabricação de uma bomba atômica. A informação se baseia em documentos dos serviços de inteligência de diversos países que datam do início de 2007. "Não comentamos dados de inteligência, mas nossas preocupações sobre o programa nuclear iraniano são claras e baseadas em informações de domínio público", disse um porta-voz da chancelaria britânica. "A AIEA deixou claro que não pode verificar se o programa iraniano é somente para fins pacíficos", completou a mesma fonte. Um dos documentos descreve o uso de uma fonte de nêutrons - cuja única utilidade, segundo os especialistas, é para a fabricação de uma bomba nuclear. (IF)