O Chile viverá no próximo domingo suas primeiras eleições presidenciais sem o ex-ditador Augusto Pinochet, morto há três anos, mas sua herança se mantém no sistema eleitoral, na economia e em outras leis que não puderam ser revertidas, 20 anos depois do fim de seu regime.
[SAIBAMAIS]Apesar de a figura do ex-ditador quase não ter aparecido nesta eleição, seu legado continua inscrito no sistema político chileno e no modelo econômico.
"O principal legado de Pinochet é o modelo econômico e a ordem institucional. Ele é o pai do modelo chileno, que mudou desde o retorno à democracia. O modelo neoliberal é agora uma economia social de mercado, mas suas bases continuam sendo as impostas por Pinochet", disse à AFP, o analista Patricio Navia.
Em 2005, 15 anos depois do fim da ditadura, o presidente socialista Ricardo Lagos proclamou o fim da transição ao reformar a Constituição imposta por Pinochet em 1980 para dar legitimidade á sua ditadura (1973-1990).
A reforma de Lagos eliminou os chamados "Enclaves autoritários" (Pinochet era senador vitalício), a imobilidade dos comandantes em chefe das Forças Armadas e acabou com o Conselho de Segurança Nacional que tutelava a democracia, entre outras modificações.
Mediante um ato administrativo de grande simbolismo político, a Constituição deixou de levar a assinatura de Pinochet e foi substituída pela rubrica de Lagos.
Mas, apesar das reformas, a Constituição chilena continua sendo um dos principais legados de Pinochet, na visão dos analistas.
"A 'Concertación' soube manter e corrigir as boas reformas da ditadura e eliminar muitas das ruins. Assim, a sombra de Pinochet ainda está presente. Corrigida, democratizada e sem enclaves autoritários, a Constituição continua sendo a de Pinochet", disse Navia.
Para o analista Mauricio Morales: "apesar das profundas reformas, não é uma Constituição falada pelo povo. A transição só poderá ser dada por concluída quando a Constituição for feita por consenso e isso ainda não aconteceu", destacou.
O sistema eleitoral para a eleição legislativa é de caráter binominal e também foi instaurado por Pinochet. Na prática, consolidou dois grandes blocos de partidos, excluindo as minorias como o Partido Comunista e os independentes.
"A herança de Pinochet ainda sobrevive, com um de seus enclaves mais difíceis de modificar: o sistema eleitoral", disse Mauricio Morales.
Os altos quoruns necessários no Congresso para modificar a lei fracassaram em pelo menos sete tentativas de se reforçar o sistema eleitoral chileno.
Da era Pinochet sobrevive a "lei do cobre", uma das normas mais criticadas pelos vizinhos do Chile: a obrigatoriedade de que 10% dos ganhos do cobre (o maior produto de exportação do Chile) sejam destinados à compra de armas.
A presidente Michelle Bachelet tentou, sem sucesso, reverter esta medida.